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Investigação e Estatística

Interpretação dos Resultados

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Já referimos que não bastará aplicar os testes estatísticos para tirar conclusões sobre os nossos dados porque eles poderão estar errados ou porque o desenho do estudo pode não ser o correcto. Assim, é fundamental, na hora de concluir o que quer que seja, pensar sempre em todas as possibilidades de erro nos procedimentos metodológicos escolhidos. É também fundamental revelar todos estes problemas de forma transparente no capítulo "Discussão" do relatório final, sem tentar camuflar ou esconder estes erros, pois tal comportamento é extremamente grave para quem é suposto estar à procura da "Verdade". Fica-nos a consolação que todos os estudos cometem erros e têm limitações, pelo que se o nosso os não cometeu, será muito de desconfiar, a não ser que tenhamos sido orientados por alguma entidade divina.

Na hora de interpretar os resultados, podemos classificar todas as possibilidades de erro da seguinte forma:

1- Erros Aleatórios relacionados com o processo de selecção aleatória de amostragem e que as provas estatísticas medem quando nos informam da probabilidade de os nossos resultados representarem o que sucede realmente na população. Para diminuir estes erros será necessário aumentar a dimensão da amostra até um limite razoável, de acordo com os nossos recursos. No Anexo 3 explica-se uma forma fácil de calcular a dimensão da amostra, tendo em conta o máximo erro aleatório admissível.

2- Erros Sistemáticos, ou viés, que podem ser classificados da seguinte forma:

Viés de selecção.

Têm a ver com o facto de seleccionarmos uma amostra através de um método que não garante a sua representatividade:

a) viés de admissão, p.ex., quando a nossa amostra é seleccionada a partir de uma população especial, não representativa da realidade. É o caso se fizermos um estudo baseado na população de toxicodependentes que vão aos serviços de saúde: evidentemente as conclusões tiradas de um estudo como este não podem ser generalizadas para todos os toxicodependentes, por não incluir aqueles que não vão aos serviços de saúde. Relacionado com esta problemática está caracterizado o chamado viés de Berkson, que tem a ver com o facto de quando se estuda uma população de doentes de um serviço de urgência hospitalar, encontram-se frequentemente associações estatísticas entre doenças que não se encontram associadas, nem na população em geral, nem patogenicamente (p.ex., gota e bronquite, atendendo serem ambas doenças com o denominador comum de implicarem contactos frequentes com os serviços de urgência).

b) viés de amostragem, p.ex., quando aplicamos um questionário a uma amostra de conveniência que "apanhamos" na rua, esta poderá ser constituída só pelos cidadãos mais simpáticos e que mais saem à rua, o que poderá ser muito diferente dos cidadãos em geral! A única forma de evitar este viés é fazer sempre a selecção de forma aleatória.

c) viés de não participação, p.ex., quando muitos elementos da amostra se recusam a responder ao questionário.

d) viés de ausência de respostas, p.ex., quando não se consegue contactar todos os elementos da amostra.

e) viés relacionados com o desaparecimento de elementos da amostra em estudos longitudinais.

Nos casos referidos nas alíneas c), d) e e), é importante comparar o grupo da amostra que não respondeu com o grupo que respondeu relativamente a outras variáveis conhecidas (geralmente sócio-demográficas). Se não há diferenças estatisticamente significativas entre os dois grupos aumenta a probabilidade das não-respostas não terem significado.

Índice

Parte 1 - metodologia básica da investigação

1º  Identificação do assunto a investigar

2º  Identificação das variáveis do estudo

3º  Identificação da população e amostra do estudo

4º  Definição do desenho do estudo

5º  Planeamento da recolha e análise dos dados

6º  Interpretação dos resultados (e elaboração do relatório)

Parte 2 - noções de estatística

1. Estatística descritiva

2. Estatística dedutiva

2.1  Intervalos de confiança

2.2  Testes Qui-quadrado e Fisher

2.3  Testes de Student / ANOVA e de Mann-Whitney / Kruskal-Wallis

3. Força da associação

3.1  Estudos de coorte

3.2  Estudos de caso-controlo

Anexo 1 - Revisão bibliográfica

Anexo 2 - Controlo das variáveis interferentes

Anexo 3 - Cálculo da dimensão da amostra

Bibliografia

Viés de informação.

Têm a ver com os erros de classificação dos elementos da amostra, erros na medição das variáveis, ou na codificação e recolha da informação. Geralmente classificam-se segundo dois tipos:

a) viés do observador (ou de classificação).

b) viés de resposta: é o caso de um questionário que por ser mal feito poderá induzir a maioria dos elementos da amostra a responderem num determinado sentido.

Estes erros poderão ser minorados se houver rigor humano e técnico, utilizando instrumentos de medição mais válidos, etc.

Viés de confundimento.

Falámos já que importa em estudos analíticos classificar as nossas variáveis em três categorias: variáveis de exposição, de resposta e interferentes.

Há dois tipos de variáveis interferentes: as de confundimento e as modificadoras de efeito.

O confundimento pode surgir quando uma variável interferente (neste caso denominada de confundimento) distorce ficticiamente a associação entre a variável de exposição e de resposta, alterando-lhe a força ou mesmo o sentido.

Um exemplo muito prático é quando o investigador quer saber se há associação entre o estado civil e o cancro. Possivelmente, encontrar-se-á uma associação positiva entre o facto de se estar casado e ter cancro, pelo que se poderia tirar a conclusão errada que o casamento constitui um risco cancerígeno! A verdade é que existe aqui uma variável de confundimento - a idade - que distorce a associação! Efectivamente, a idade (variável de confundimento) está associada tanto ao estado civil (variável de exposição), porque os casados tendem a ser mais velhos, como ao cancro (variável resposta) porque os doentes de cancro também tendem a ser mais velhos.

Em todos os casos de confundimento é necessário que a variável de confundimento esteja associada tanto à exposição como à resposta. Outra forma de dizer a mesma coisa é referir que além da variável de confundimento estar associada à resposta, é necessário também que os diversos grupos classificados segundo a v. de exposição (no exemplo atrás apontado: dois grupos - casados/solteiros) estarem desajustados quanto à variável de confundimento (efectivamente, a proporção de velhos era diferente entre os casados e solteiros). Repare-se que isto significa que, de alguma maneira, um confundimento é um erro no desenho do estudo, porque não se deve comparar dois grupos desajustados (no Anexo 2 dão-se mais informações sobre como controlar o efeito destas variáveis)!

Finalmente, para decidirmos que uma determinada variável de exposição poderá ter uma relação de causalidade com uma variável resposta, deveremos pensar se se cumprem vários critérios de causalidade. Existem três critérios essenciais de "causalidade":

a temporalidade: efectivamente, é impossível um efeito ser anterior à sua causa... no entanto, é possível uma variável ser anterior a outra e não haver qualquer relação de causalidade.

a associação estatística: as variáveis de exposição terão de estar associadas às variáveis efeito de forma estatisticamente significativa, ou seja, a associação não deverá ser fortuita (devida ao acaso). No entanto, é possível haver associações causais entre variáveis que, em virtude da pequena dimensão da amostra, não dão resultados estatisticamente significativos!

  a ausência de espuriedade, ou seja, ausência de associações "artificiais" entre variáveis, que não têm significado próprio (por ex.: a associação entre o estado civil e o cancro, ou número de telemóveis e as doenças cardíacas ...) provocadas pela interferência de terceiras variáveis escondidas. Estamos aqui a falar novamente do problema do confundimento em investigação. Os estudos experimentais são os que melhor podem controlar as confusões que todas estas variáveis interferentes podem provocar. Nos outros estudos, tenta-se controlar estas interferências através do emparelhamento, da padronização, ou da análise estratificada e multivariada (Anexo 2 - Controlo das variáveis interferentes).

Outros critérios de causalidade menos importantes são:

a força da associação: quanto maior a diferença entre duas populações quanto à frequência da doença e do factor de risco, mais provável será haver uma associação entre a doença e o referido factor de risco. A força da associação mede-se em termos epidemiológicos pelo risco relativo (ou odds ratio), risco absoluto, coeficiente de determinação na correlação linear, etc. No entanto, é possível pensarmos existir uma verdadeira associação causal, embora fraca, quando os resultados, apesar de revelarem pouca força de associação, são estatisticamente significativos...

o gradiente biológico da associação refere-se à existência de uma curva dose-resposta entre a variável "causal" e a variável efeito. No entanto, este gradiente pode existir mesmo sem relação de causalidade se existirem variáveis de confundimento a modificar a associação...

a consistência: quando a associação se repete em populações diferentes e em circunstâncias diferentes.

a especificidade: quando a causa leva sempre a um só efeito único é mais fácil estabelecer a relação de causalidade, no entanto, a maioria das causas de doença ou saúde têm efeitos múltiplos...

a coerência com as teorias e conhecimentos vigentes, no entanto, se tivéssemos que ser sempre coerentes com o passado nunca evoluiríamos...

Comentários finais

É importante escrever o protocolo no computador pois será seguramente necessário fazer muitas modificações e correcções até a forma final! Por outro lado, muito do que se escreve para o protocolo poderá ser utilizado para o relatório ou artigo a publicar, especialmente para os capítulos de introdução e métodos.

Faça sempre ainda um cronograma com as suas actividades. É mais uma forma de auto-disciplina que nos ajuda a levar a bom termo o nosso processo de investigação.

O rigor no cumprimento dos passos do protocolo é muito importante mas é evidente que não há estudos perfeitos que nos possam revelar a "Verdade". Assim, depois da elaboração do protocolo, resta-nos segui-lo com o rigor possível mas, também, com a consciência das imperfeições do mesmo. A paixão pela perfeição não nos deve bloquear e, sobre este assunto, alguém disse que «em investigação, assim como no amor, uma exagerada concentração na técnica, levará provavelmente à impotência»...

Atendendo aos erros que todos os estudos incluem, as conclusões têm de ser geralmente cuidadosas e prudentes.

Um remate final: a investigação deverá sempre que possível resultar num trabalho publicado, pois só aquilo que é publicado tem existência real...

© António Paula Brito de Pina, 2006