Guia Técnico para Terapêutica Observada Directamente
= dot's – Directly Observed Treatment Short-course =
Aos que não são especialistas na matéria recomendo vivamente a consulta de uma brochura publicada pela ex-Direcção Geral dos Cuidados de Saúde Primários, em Junho de 1991, intitulada "Diagnóstico, tratamento e profilaxia da tuberculose". Trata-se de uma brochura de inestimável valor, não só pela sua simplicidade como pela quantidade de informação útil que dá sobre os procedimentos técnicos relativos à tuberculose.
Os portais da OMS e do National Tuberculosis Center são também muito ricos em informação pertinente.
Terapêutica
Começamos pelo fim - a terapêutica - porque pressupôe-se que o diagnóstico é da responsabilidade do especialista hospitalar ou do CDP, podendo caber ao médico de Saúde Pública apenas algumas responsabilidades no controlo desta terapêutica.
O esquema terapêutico mais utilizado é uma fase de indução de 2 meses de Isoniazida (300mg ou 5mg/Kg) + Rifampicina (600mg ou 10mg/Kg) + Pirazinamida (1,5 a 2gr ou 25mg/Kg) + Estreptomicina (1gr ou 15mg/Kg) diariamente, seguidos de uma fase de manutenção de 4 meses de Isoniazida (300mg) + Rifampicina (600mg) diariamente. Para evitar a neuropatia periférica causada pela Isoniazida é conveniente fazer toma diária de 10mg de Piridoxina.
Este esquema ou outros que se baseiam na toma de medicação diária têm a desvantagem de consumir muitos recursos (especialmente tempo) quando aplicados à toma domiciliária controlada ou DOTS.
Assim, aparecem esquemas terapêuticos em que a toma diária é feita apenas nos primeiros dois meses - Isoniazida (300mg) + Rifampicina (600mg) + Pirazinamida (1,5 a 2gr) + Estreptomicina (1gr) - sendo as tomas bissemanais nos quatro meses seguintes - Isoniazida (900mg ou 15mg/Kg) + Rifampicina (600mg ou 10mg/Kg) - com as doses devidamente ajustadas.
Quando o doente é uma recidiva ou um caso de abandono de terapêutica antiga, com baciloscopias positivas é recomendável alargar a fase de indução para 3 meses e a fase de manutenção para 5 meses.
A posologia recomendada baseia-se no quadro seguinte:
Antibacilares |
Posologia recomendada (mg/Kg) |
||
Diária |
Intermitente |
||
3x/semana |
2x/semana |
||
Isoniazida |
5 |
10 |
15 |
Rifampicina |
10 |
10 |
10 |
Pirazinamida |
25 |
35 |
50 |
Estreptomicina |
15 |
15 |
15 |
Etambutol |
15 |
* |
* |
Fonte: OMS-TB/VIH manual clínico, 1996:92 * A eficácia em terapêutica intermitente não está determinada
Um protocolo possível muito interessante, quando o tempo é um recurso muito escasso, foi proposto nos Estados Unidos por Cohn et al. (Mandell, Gerald L.; Bennett, John E.; Dolin, Raphael, eds. Principles and practice of infeccious diseases. 4th ed. New York: Churchill Livingstone, 1995.Vol.2: 2227), da seguinte forma:
Primeiras duas semanas (toma única diária):
Isoniazida: 300mg
Rifampicina: 600mg
Pirazinamida:
– 1,5gr se peso inferior a 50kg
– 2gr se peso entre 51 e 74kg
– 2,5gr se peso superior a 75kg
Estreptomicina:
– 750mg se peso inferior a 50kg
– 1gr se peso superior a 51kg
Da 3ª à 8ª semana (toma única bissemanal):
Isoniazida: 15mg/Kg (triplo da dose usual)
Rifampicina: 600mg
Pirazinamida:
– 3gr se peso inferior a 50kg
– 3,5gr se peso entre 51 e 74kg
– 4gr se peso superior a 75kg
Estreptomicina:
– 1gr se peso inferior a 50kg
– 1,25gr se peso entre 51 e 74kg
– 1,5 gr se peso superior a 75kg
Da 9ª à 26ª semana (toma única bissemanal):
Isoniazida: 15mg/Kg
Rifampicina: 600mg
Um dos graves problemas que a nível local nos actuais Centros de Saúde é difícil de solucionar quando se administra diariamente terapêutica é a incompatibilidade com os dias de descanso (fins-de-semana e feriados) dos funcionários. A solução que encontrámos foi dar à sexta-feira uma dose dupla de Isoniazida (10mg/Kg, i.e., 600mg) e Pirazinamida (35 mg/Kg, i.e., 3gr); e a mesma dose de Rifampicina (não ultrapassar 10mg/Kg - cerca de 600mg), Estreptomicina (não ultrapassar os 15mg/Kg - cerca de 1gr) e Etambutol (15mg/Kg - cerca de 1,2gr).
Monitorização da Terapêutica
Em primeiro lugar é importante ter consciência dos possíveis efeitos adversos dos antibacilares utilizados:
Antibacilares |
Efeitos secundários |
Sintomatologia |
Medidas de controlo |
Isoniazida |
Euforia e insónia |
- |
Toma matutina < 5 mg/Kg |
Neuropatia periférica |
Sensação de queimadura nos pés |
Piridoxina 10mg/dia |
|
Hepatite |
Icterícia, vómito e confusão, hepatalgia, transaminases >150 |
Parar medicação |
|
Rifampicina |
Gastralgias e náuseas |
- |
Tratamento sintomático ou efectuar a toma durante as refeições |
Síndrome gripal |
- |
Como estes sintomas aparecerem na medicação intermitente, basta passar à toma diária |
|
Dispneia asmatiforme |
- |
Como estes sintomas aparecerem na medicação intermitente, basta passar à toma diária |
|
Urina vermelha |
- |
Continuar medicação |
|
Insuficiência renal aguda |
- |
Parar medicação |
|
Choque, púrpura |
- |
Parar medicação |
|
Hepatite |
Icterícia, vómitos e confusão, hepatalgia, transaminases >150 |
Parar medicação |
|
Pirazinamida |
Fotosensibilidade |
Eritema, pequenas máculas e pápulas nas regiões expostas ao sol |
Roupa ou protector solar |
Náuseas e anorexia |
- |
Tratamento sintomático |
|
Gota com uricemia >9 |
Dor articular |
Alopurinol 300mg/dia |
|
Hepatite |
Icterícia, vómitos e confusão, hepatalgia, transaminases >150 |
Parar medicação |
|
Estreptomicina |
Parestesias e prurido (geralmente na face) |
- |
Diminuição da dose (de 0,75 para 0,5gr) |
Insuficiência renal aguda |
- |
Substituição pelo etambutol |
|
Anemia hemolítica |
- |
Substituição pelo etambutol |
|
Ototoxidade |
Surdez e tonturas |
Substituição pelo etambutol |
|
Etambutol |
Náuseas |
- |
Tratamento sintomático |
Nevrite óptica |
Perturbações visuais, nomeadamente no reconhecimento das cores |
Parar medicação |
Em segundo lugar é necessário ter ideia das possíveis interferências com outros medicamentos:
Antibacilares |
Interferência medicamentosa |
Medidas a tomar |
Rifampicina |
Diminuição da eficácia dos anticonceptivos orais, anticoagulantes orais, digitálicos, corticóides, hipoglicemiantes orais, metadona. |
Substituição do medicamento ou ajustamento da dose |
Isoniazida |
Os antiácidos clássicos diminuiem a concentração sérica de isoniazida. Aumento do efeito da difenilhidantoina. |
Substituição do medicamento ou ajustamento da dose |
Pirazinamida |
Alterações da glicemia |
Não utilizar a pirazinamida em diabéticos insulino-dependentes |
Finalmente, é necessário ter ideia da importância real do controlo laboratorial:
1º- Baciloscopias e culturas da expectoração - fundamentais no início e na monitorização do tratamento (eventualmente mensais e, quando o doente é um ex-abandono deverá incluir antibiograma inicial). No sistema DOTS é fácil obter as expectorações do doente que, geralmente, negativam nos primeiros 2 meses de terapêutica. O índice que reflecte melhor a resposta ao tratamento é a cultura ao 4º mês. Nos regimes de seis meses a negativação ao 5ºe 6º mês significa cura bacteriológica. Nos regimes de oito meses é evidentemente também necessário confirmar a negativação ao 7º e 8º mês. Em qualquer regime, a não negativação ao 5º mês significa falência terapêutica.
2º- Radiografias - menos importantes mas, sempre que possível deverão ser requisitadas no início, e no 2º, 4º e 6º mês. Os infiltrados geralmente limpam entre o 2º e o 4 mês de terapêutica.
3º- Transaminases - idealmente de dois em dois meses mas, segundo reputados especialistas (Isselbacher, Kurt J.; Braunwald, Eugene; Wilson, Jean D. eds Harrison`s principles of internal medicine. 13th ed. CD-Rom: McGraw-Hill Inc., 1995), não são fundamentais: é mais importante controlar clinicamente a possibilidade de hepatite (icterícia, hepatalgia, náuseas, confusão), atendendo não serem preditivas dos problemas hepáticas, servindo antes para confirmar a hepatite já desencadeada.
4º- Uricemia - é útil para prevenir a gota como consequência da Pirazinamida, mas caso não seja possível, não será muito preocupante iniciar o tratamento de uma gota só quando o doente se queixar de dores articulares . . .
5º- Velocidade de sedimentação - obviamente elevada mas inespecifica, pelo que é pouco importante.
6º- Creatinina plasmática e urina II - pouco importantes, embora possam servir para monitorização dos raros casos que evoluem para insuficiência renal devido à Estreptomicina ou à Rifampicina.
Bibliografia
Direcção Geral dos Cuidados de Saúde Primários. Diagnóstico, tratamento e profilaxia da tuberculose. Lisboa: 1991
Organização Mundial da Saúde. TB/VIH manual clínico. 1996.
Mandell, Gerald L.; Bennett, John E.; Dolin, Raphael, eds. Principles and practice of infeccious diseases. 4th ed. New York: Churchill Livingstone, 1995.
Isselbacher, Kurt J.; Braunwald, Eugene; Wilson, Jean D. eds Harrison`s principles of internal medicine. 13th ed. CD-Rom: McGraw-Hill Inc., 1995.
García, Luis L.; Diaz, Angel L. Programa de tuberculosis. Junta de Andalucia. 1989
A responsabilidade do médico de Saúde pública
© António Paula Brito de Pina, 1998 (2005)