DOT'S no Concelho de Olhão

Uma experiência a decorrer desde Janeiro de 1998.
Atendendo o autor desta página ter saído do Centro de Saúde de Olhão em Julho de 1998, não será possível actualizar os dados.

Em Abril de 1998 existiam 7 doentes a fazer DOTS em Olhão. Correspondiam a 17,5% dos doentes seguidos pelo CDP e eram a totalidade dos doentes que abandonavam a medicação, pelo que o sucesso deste projecto é ainda superior ao que nós esperávamos.

Vamos a um resumo "curricular" de cada doente (os nomes são fictícios):


1º- O Celestino é um toxicodependente a fazer metadona no CAT, HIV positivo, de 30 anos idade, analfabeto, filho de família humilde e totalmente desestruturada. Aparentemente, não tem expectativas futuras para além de continuar os anos que lhe restam a fazer metadona.

Era um doente antigo com sucessivos abandonos desde início de 1997.

Iniciou DOTS em 14-02-1998 mas faleceu após três meses de terapêutica devido a complicação não relacionada com a tuberculose.


2º- O Seruca é um toxicodependente a fazer metadona no CAT, HIV positivo, de 30 anos idade, filho de família humilde, com a profissão de pintor, desempregado, mas que progressivamente foi adquirindo vontade de sair da sua inanição, estando actualmente a trabalhar integrado num programa de reabilitação social do próprio CAT.

Foi-lhe diagnosticada tuberculose em Julho de 1997 e abandonou a terapêutica em Setembro desse ano.

Iniciou DOTS em 30-01-1998 e teve alta em 30-7-98, embora tenha falhado à terapêutica durante quinze dias - o tempo em que falhou a metadona.

É um caso de sucesso terapêutico.


3º- O Marcos é um toxicodependente a fazer metadona no CAT, com hábitos alcoólicos intensos, extremamente "refilão", de 30 anos idade.

Foi-lhe diagnosticada uma tuberculose pulmonar em Janeiro de 1996, fez irregularmente terapêutica durante quatro meses e, sem negativar, abandonou os serviços.

Regressou doente em Abril de 1998 e iniciou DOTS (juntamente com a metadona) no CAT em 6-04-98. Já teve alta.


4º- A Eduarda é toxicodependente a fazer metadona no CAT, de 35 anos idade, trabalha como "alterna" em bares e reside em morada incerta pois recusa-se a dar-nos esta informação. Foi mãe em Julho de 1997 e foi-lhe diagnosticado uma tuberculose em Agosto desse ano. Em Outubro após ter colocado a sua filha recém-nascida numa instituição, abandona a terapêutica, o CAT, e desaparece para parte incerta. Solicitámos à instituição que ficou com a salvaguarda da criança que nos obtivesse um contacto da mãe logo que possível.

Solicitámos ainda à PSP e GNR para informalmente nos avisarem do seu paradeiro.

Apenas um mês depois, e devido a uma visita da Eduarda à filha, foi possível sabermos o seu número do telemóvel. Após um breve telefonema foi fácil convencer a Eduarda a vir ao CDP para reiniciar a terapêutica.

Iniciou DOTS em 17-03-1998 no CAT, juntamente com a metadona, e já teve alta.


5º- O Antero é um cabo-verdiano com 40 anos, de hábitos alcoólicos acentuados, a viver na casa de amante recente num bairro social. Apesar de tudo, tem muita família que o poderá apoiar no mesmo bairro e trabalha como carregador de fruta.

Era um doente antigo com sucessivos abandonos desde 1996.

Iniciou DOTS em 11-2-98 e actualmente está muito motivado para acabar a terapêutica. Aparentemente o interesse e o esforço que dispendemos por ele, desencadearam um aumento da sua autoestima, chegando a deslocar-se espontaneamente ao Centro de Saúde para proceder à toma diária quando sabe que não pode esperar por nós em casa.

Já teve alta após 8 meses de terapêutica.


6º- O Marques tem 40 anos, é um alcoólico inveterado, a viver sozinho numa casa extremamente degradada (porta incompleta e sem fechadura), com uma higiene deplorável, após a separação da mulher que, aliás, vive ao lado com o novo amante.

Aparentemente, não tem expectativas futuras para além de continuar os anos que lhe restam arrastando-se nesta degradação.

Era um doente crónico antigo com sucessivos abandonos desde 1988, tendo actualmente fibroses extensas e episódios asmatiformes, além da tuberculose pulmonar.

Iniciou DOTS em 9-02-1998 mas desapareceu devido a "bebedeira" nos dias 16 e 17 desse mês pelo que o convencemos a ser internado primeiro no Sanatório e depois no Centro de Saúde. Atendendo ter várias vezes querido abandonar o internamento e ter prometido não mais falhar por "bebedeiras", foi-lhe dada alta e reiniciado o DOTS em casa. Actualmente, a nosso pedido, é-lhe oferecido um almoço em casa por uma instituição local. Infelizmente, verificamos com frequência que este almoço apodrece de um dia para o outro devido à preferência que o Marques tem pelo álcool.

Atendendo à fragilidade sócio-económica do Marques, o apoio fornecido fez deste doente um dos mais cumpridores da terapêutica tendo já tido alta.


7º- O Lúcio tem 55 anos, desempregado, antecedentes de alcoolismo moderado, a viver sozinho, dentro de uma "barraquita" de fibra de vidro com cerca de 2 m2, extremamente rebelde à continuação disciplinada do tratamento pelo que já teve vários abandonos desde 1996.

Inicialmente não conseguimos dar com a morada que referiu nos contactos anteriores com o CDP pelo que solicitámos à PSP e GNR para informalmente o contactar, o que foi conseguido através de um amigo do Lúcio.

Por outro lado, atendendo o médico de Saúde Pública responsabilizado pelo DOTS ser também o representante do Centro de Saúde no Projecto do Rendimento Mínimo Garantido (projecto de solidariedade social liderado pelo Ministério respectivo) e tendo sido detectado que o Lúcio requereu este Rendimento Mínimo Garantido, foi estabelecido que este em contrapartida, seria obrigado a cumprir o tratamento deslocando-se actualmente todos os dias ao Centro de Saúde.

Iniciou DOTS em 10-03-1998 mas sempre tentou fugir à obrigatoriedade do tratamento alegando frequentemente reacções adversas aos medicamentos.

Finalmente, com cerca de cinco meses de terapêutica e atendendo ter facilidade em encontrar trabalho (Verão no Algarve...) resolveu desistir da terapêutica e do Rendimento Mínimo Garantido.

Trata-se do maior insucesso do projecto DOTS em Olhão.


A responsabilidade do médico de Saúde pública

Um projecto para um distrito

Um guia técnico para o médico de saúde pública gerir a TOD


© António Paula Brito de Pina, 1998 (2005)