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Cólera

Estratégias de Prevenção e Controlo

 

Nota  Introdutória

O último surto de cólera em Macau teve início em Junho de 1998. O primeiro caso foi detectado no dia 25 de Junho e o último caso em 16 de Setembro. Foram confirmados 8 casos, todos em adultos e com igual distribuição pelos dois sexos. Relativamente ao agente etiológico, 7 casos foram de Vibrio colerae O1 El Tor Ogawa e um caso de O1 El Tor Inaba.

Tratou-se de um surto de fonte comum intermitente, muito provavelmente devido à contaminação de vegetais provenientes da província de Cantão (República Popular da China), transportados para Macau por indivíduos particulares e vendidos ilegalmente na rua (vegetais sem qualquer tipo de controlo higio-sanitário).

O documento que a seguir se apresenta é parte integrante do «Plano de Acção para a Prevenção e Controlo da Cólera em Macau», elaborado na Unidade Técnica de Vigilância Epidemiológica dos Serviços de Saúde de Macau, no início de Julho de 1998, com a finalidade de se controlar o referido surto.

Preâmbulo

O surto de cólera que actualmente ocorre em Macau, teve o seu início durante a quarta semana de Junho de 1998. Nos últimos dez anos foram declarados seis casos de cólera em Macau, cinco dos quais em 1989 e um em 1990 (último caso). Entre Dezembro de 1990 e Maio de 1998, a incidência de casos de cólera em humanos foi nula (zero), apesar da pandemia que há vários anos atinge diversos países.

Relativamente ao surto actual, ainda não se pode precisar se a sua fonte é comum (pontual - persistente - intermitente) ou propagada, nem tão pouco determinar a origem da contaminação. Existem somente fontes suspeitas que, para a maioria dos casos, apontam para a contaminação provável (directa ou indirecta) de vegetais.

As medidas preventivas adequadas estão relacionadas com os mais elementares cuidados de higiene individual e colectiva, não sendo recomendável a administração de qualquer vacina ("falsa segurança" e eficácia reduzida).

De modo a evitar-se o agravamento da situação, com uma epidemia de maiores proporções e de consequências imprevisíveis, sem esquecer a "previsão" de que a «cólera fará de 1998 um ano negro para a maior parte dos países nos cinco continentes», impõe-se a adopção de um certo número de medidas, quiçá relativamente drásticas e impopulares.

Aquelas medidas, integrando as estratégias a seguir discriminadas, requerem a participação activa e contínua de diversas entidades do Território, nomeadamente Municípios (Leal Senado e Câmara das Ilhas), Polícia Marítima e Fiscal, Direcção dos Serviços de Economia, Direcção dos Serviços de Solos Obras Públicas e Transportes, Serviço de Abastecimento de Águas de Macau, Serviços de Saúde de Macau (Autoridade Sanitária, Laboratório de Saúde Pública, Unidade Técnica de Vigilância Epidemiológica, Unidade Técnica de Controlo de Vectores Animais, Unidade Técnica de Higiene Alimentar, Unidade Técnica de Educação para a Saúde, Laboratório do CHCSJ e médicos clínicos) e Hospital Kiang Wu (laboratório e médicos clínicos), entre outras entidades que se considerarem relevantes.

Estratégias

1. Reforço das acções de informação e educação comunitárias, através dos meios de comunicação social e outros que se entendam convenientes já implementadas, mas devendo ser alargadas e intensificadas (responsabilidade dos Serviços de Saúde de Macau).

2. Vigilância e controlo da qualidade da água em Macau:

2.1. Reforço na cloragem da água de abastecimento público (rede pública) início imediato (execução pelos Serviços de Abastecimento de Água de Macau e controlo sob a responsabilidade dos Municípios);

2.2. Reforço da vigilância e controlo da qualidade da água na rede pública de abastecimento, com controlo aleatório de pontos da rede exteriores às instalações dos Serviços de Abastecimento de Águas de Macau (pesquisa de Vibrio colerae), incluindo a investigação de eventuais "curtos-circuitos" entre o sistema de abastecimento de águas e os sistemas de escoamento de águas residuais início imediato (controlo sob a responsabilidade conjunta dos Municípios e Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes);

2.3. Reforço da vigilância e controlo da qualidade da água utilizada em lanes e aquários de restaurantes e estabelecimentos de comidas início imediato (controlo sob a responsabilidade conjunta dos Municípios e Serviços de Saúde de Macau);

2.4. Eliminação de todos os poços "não particulares" existentes no Território início imediato (acção sob a responsabilidade dos Municípios);

2.5. Reforço da vigilância e controlo da qualidade da água de todos os poços "particulares" existentes no Território início imediato (controlo sob a responsabilidade dos Municípios);

3. Vigilância e controlo dos alimentos consumidos no Território (importados legalmente e "ilegais"):

3.1. Interdição à entrada de alimentos em Macau, sempre que transportados por indivíduos particulares início imediato (fiscalização e controlo sob a responsabilidade conjunta da Polícia Marítima e Fiscal e dos Municípios);

3.2. Interdição à pesca nas águas circundantes do Territórioinício imediato (fiscalização e controlo sob a responsabilidade da Polícia Marítima e Fiscal);

3.3. Proibição da circulação de vendedores ambulantes "ilegais" e da venda por estes de qualquer tipo de alimentos início imediato (fiscalização e controlo sob a responsabilidade dos Municípios, com a eventual colaboração da Polícia de Segurança Pública);

3.4. Interdição à recolha das águas circundantes de Macau, para utilização em lanes e aquários, ou para quaisquer fins comerciais início imediato (fiscalização e controlo sob a responsabilidade da Polícia Marítima e Fiscal);

3.5. Controlo laboratorial com pesquisa de Vibrio colerae, por amostragem aleatória de todos os tipos de vegetais e "produtos do mar" (peixe, marisco, etc.) início imediato (fiscalização e controlo sob a responsabilidade conjunta de Municípios e Serviços de Saúde);

3.6. Controlo laboratorial com pesquisa de Vibrio colerae, por amostragem aleatória de frutas e outros alimentos frescos não considerados no parágrafo anterior início em segunda fase, caso se entenda pertinente (fiscalização e controlo sob a responsabilidade conjunta de Municípios e Serviços de Saúde).

4. Reforço na vigilância das condições higio-sanitárias de todos os locais de venda de alimentos, nomeadamente mercados, zonas de vendilhões, supermercados e mercearias:

4.1. Limpeza e asseio permanentes de todos os locais, com acções de desinfecção periódicas (pelo menos duas vezes por dia) início imediato (fiscalização e controlo sob a responsabilidade dos Municípios);

4.2. Ventilação adequada de todos os locais, com instalação, sempre que se considere necessário, de equipamentos de ventilação e extracção mecânicas início imediato (fiscalização e controlo sob a responsabilidade dos Municípios);

4.3. Cancelamento de licenças sempre que se verificar o não cumprimento do determinado pela legislação em vigor, ou sempre que as possíveis situações possam ser consideradas de "risco potencial para a saúde pública" início imediato (sob a responsabilidade dos Municípios, com a eventual colaboração dos Serviços de Saúde).

5. Intensificação das acções de vigilância em vendedores e manipuladores de alimentos:

5.1. Rastreio clínico-laboratorial (com coprocultura) de todos os indivíduos que vendem ou manipulam alimentos em áreas consideradas suspeitas ou de maior risco início em segunda fase, caso se entenda pertinente (sob a responsabilidade dos Serviços de Saúde);

5.2. Internamento compulsivo "de recurso" para todos os casos suspeitos ou confirmados que recusem orientação médica adequada início em segunda fase, caso se entenda pertinente (sob a responsabilidade dos Serviços de Saúde, com a eventual colaboração da Polícia de Segurança Pública);

6. Investigação atempada e tratamento adequado de todos os casos suspeitos e confirmados de doença, bem como dos seus contactos:

6.1. Investigação clínico-laboratorial imediata de todos os casos suspeitos admitidos em instituições hospitalares, incluindo a realização de coprocultura nas primeiras horas (0-6 horas) após a observação do doente início imediato (responsabilidade de todos os médicos clínicos em funções nos dois hospitais de Macau);

6.2. Comunicação imediata (primeiras 0-2 horas) pelos médicos clínicos, de todos os casos suspeitos de doença, que devem efectuar ou proceder à requisição de um inquérito epidemiológico (comunicação e requisição por fax à Unidade Técnica de Vigilância Epidemiológica, fax n.º 533524) início imediato (responsabilidade de todos os médicos clínicos em funções nos centros de saúde e hospitais);

6.3. Realização de inquérito epidemiológico nas primeiras 0-6 horas após a comunicação do caso pela Unidade Técnica de Vigilância Epidemiológica, incluindo a investigação adequada e atempada dos contactos início imediato (responsabilidade da Autoridade Sanitária, considerando a área de residência do doente);

6.4. Implementação de acções de desinfecção das instalações sanitárias utilizadas pelos casos e/ou contactos início imediato (execução pelos Serviços de Saúde);

6.5. Instituição de terapêutica adequada, nomeadamente hidratação (oral e/ou parentérica) e antibioterapia (v.g. ciprofloxacina ou ofloxacina), considerando sempre a gravidade da situação clínica. Antes da instituição da terapêutica e sempre que possível, deve-se procurar efectuar um antibiograma; sempre que este não for "realizável", deve-se evitar a administração de tetraciclina, cotrimoxazole ou de cloranfenicol início imediato (responsabilidade de todos os médicos clínicos em funções nos dois hospitais de Macau).

Fernando Costa Silva © Portal de Saúde Pública, 1999