Tétano e Vacinação Anti-tetânica 1

Apresentação: Tétano (slides)

Tétano

O tétano é uma doença aguda cujo agente etiológico é o Clostridium tetani, um bastonete gram-positivo anaeróbio com forma de baqueta de tambor, produtor de esporos, que podem persistir no solo durante meses ou anos (1)(2).

É uma doença com distribuição mundial, mais frequente em regiões rurais, onde há maior contacto com excrementos de animais, e em países onde a vacinação é realizada de uma forma inadequada (1).

Os bacilos do tétano têm como reservatório o intestino de animais, nomeadamente do homem, não provocando doença quando se encontram neste meio; são ubíquos no meio ambiente. Podem ainda encontrar-se no solo ou em fómites contaminadas com fezes humanas ou de outros animais (1).

É transmitido por inoculação dos esporos de Clostridium tetani na pele, através de lesões (picadas, queimaduras, pequenas lesões imperceptíveis), drogas injectáveis ou após realização de procedimentos cirúrgicos, que incluem circuncisão e técnicas de abortamento realizados sem condições de higiene adequadas. Os esporos germinam em ferimentos com baixo potencial oxidação-redução (por exemplo tecidos desvitalizados ou corpos estranhos) e produzem uma toxina que se fixa aos neurónios motores periféricos e se propaga por transporte intraneuronal retrógrado. O Clostridium tetani produz duas toxinas, a tetanolisina (uma hemolisina oxigénio-lábil) e a tetanospasmina (uma neurotoxina termolábil) (2).

A tetanolisina é inibida pelo oxigénio e pelo colesterol sérico, desconhecendo-se o seu significado clínico (2).

A tetanospasmina é sintetizada durante a fase estacionária de crescimento, é libertada quando a célula é lisada, sendo responsável pelas manifestações clínicas do tétano. A tetanospasmina ao bloquear a libertação de neurotransmissores em sinapses inibitórias, causa uma desregulação da actividade sináptica excitatória (paralisia espástica). A ligação da toxina é irreversível e a recuperação depende da formação de novas terminações axonais. A rigidez resulta de uma taxa acrescida de descarga em repouso dos neurónios motores-α, devido ao bloqueio da libertação de neurotransmissores inibidores (glicina e ácido gama-aminobutírico) em terminações pré-sinápticas (3).

Tem um período de incubação compreendido entre 3 e 21 dias, podendo variar de 1 dia a vários meses, dependendo do carácter, extensão e localização da lesão, sendo em média de 10 dias; a maioria dos casos ocorre dentro de 14 dias. Períodos de incubação mais curtos estão associados a maior contaminação da lesão, maior severidade da doença e a pior prognóstico (1).

É uma doença em que não há transmissibilidade de pessoa a pessoa, sendo apenas transmitida por contacto directo com o agente etiológico.

Como sintomatologia associada à doença salientam-se as contracções musculares muito dolorosas, que se iniciam a nível do músculo masseter, músculos cervicais e depois a nível dos músculos do tórax e abdómen. Um dos sinais mais sugestivos de tétano, em crianças e adultos, é a rigidez abdominal, no entanto, a rigidez muscular pode estar confinada ao local da lesão. Podem ocorrer espasmos musculares generalizados induzidos por estímulos sensoriais; os sinais típicos de tétano são a posição de opistótonos e o “riso sardónico” (trismus).

Como complicações, os doentes com tétano podem apresentar fracturas, compromisso da ventilação, hipertensão lábil, taquicardia, arritmias e paragem cardíaca súbita.

A mortalidade é muito elevada (10-80%); é mais acentuada em crianças e idosos, e varia inversamente ao período de incubação (1).

O diagnóstico é principalmente clínico. Laboratorialmente pode identificar-se um aumento das concentrações de enzimas musculares. A detecção microscópica ou o isolamento de Clostridium tetani é útil, mas frequentemente não tem êxito. Apenas 30% dos doentes com tétano apresenta culturas positivas, visto que a doença pode ser causada por um número relativamente pequeno de microorganismos e as bactérias, de crescimento lento, são rapidamente destruídas quando expostas a ar. A produção de toxina por um microorganismo isolado pode ser confirmada pelo teste de neutralização de antitoxina realizada em animais de laboratório (2).

O tratamento é realizado em meio hospitalar em unidades de cuidados intensivos. Inicialmente deve proceder-se à limpeza e desbridamento da lesão, excepto nos casos de tétano neonatal em que o desbridamento do cordão umbilical não está indicado. Depois vacina-se, monitoriza-se e aplicam-se medidas de suporte para manutenção da permeabilidade da via aérea (se necessário com traqueostomia ou intubação nasotraqueal e respiração assistida mecanicamente). Deve administrar-se metronidazol (500mg de 6/6 h) para eliminar células vegetativas, que são fontes adicionais de toxina. A penicilina, a clindamicina e a eritromicina são alternativas terapêuticas. Em seguida, procede-se à administração intramuscular de 3000-6000 unidades de imunoglobulina humana anti-tetânica, para neutralizar a toxina não fixada. É necessário controlar os espasmos musculares com benzodiazepinas, e pode ser necessário proceder-se a paralisia terapêutica com bloqueadores neuro-musculares. Contudo, após a suspensão destes fármacos, pode ocorrer paralisia prolongada (3).

A recuperação é geralmente completa, mas prolonga-se por 4-6 semanas. Pode ser necessário suporte prolongado da ventilação. A hipertonia muscular e os pequenos espasmos poderem durar meses. Com a intervenção adequada a letalidade é inferior a 10%. É importante imunizar doentes em recuperação, pois a doença natural não induz imunidade (3).

A susceptibilidade é generalizada. A imunização activa é induzida pelo toxóide tetânico, e persiste pelo menos durante dez anos após a vacinação completa. A imunização passiva é feita com a administração de imunoglobulina humana anti-tetânica ou com antitoxina tetânica. As crianças filhas de mães imunizadas de forma activa adquirem imunidade passiva que as protege face ao tétano neonatal (1).

Do ponto de vista clínico, pode classificar-se o tétano em tétano localizado e tétano generalizado. O tétano é localizado quando a sintomatologia permanece limitada à musculatura no local da infecção primária; no entanto, este facto não significa que se esteja perante uma forma menos grave da doença, pois o que inicialmente se encontra localizado pode, em pouco tempo, tornar-se generalizado. O tétano cefálico é uma variante de tétano localizado, em que a cabeça é o local primário da infecção; ao contrário do prognóstico dos pacientes com tétano localizado em outras regiões anatómicas, o prognóstico destes doentes é mau.

No tétano generalizado a sintomatologia é disseminada. O tétano neonatal é um tipo específico de tétano generalizado que ocorre no recém-nascido. Está geralmente associado a uma infecção do coto umbilical, que progride para infecção generalizada. Ocorre em países em que os cuidados maternos são limitados e a vacinação anti-tetânica é inadequada ou inexistente. A maioria dos casos registados refere-se a filhos de mulheres não vacinadas e a partos ocorridos fora do ambiente hospitalar. O período de incubação é de 3-28 dias, em média 6 dias. A doença é detectada em recém-nascidos que mamam e choram bem durante os primeiros dias de vida e que após alguns dias apresentam dificuldade e incapacidade em se alimentar (trismus). Estas crianças apresentam rigidez generalizada, espasmos musculares, convulsões e opistótonos. Pode ocorrer atraso mental (5-20% dos casos). A mortalidade é superior a 80% (1).

O tétano não neonatal e o tétano neonatal são Doenças de Declaração Obrigatória.

Vacinação anti-tetânica

A vacinação anti-tetânica é a medida preventiva mais eficiente contra o tétano, e a vacinação de todos os adultos é um dos principais objectivos do Programa Nacional de Vacinação (PNV).

As vacinas que integram o PNV foram aprovadas tendo em atenção a sua qualidade, eficácia e segurança. No entanto, há que relembrar que estas características dependem também da forma como as vacinas são transportadas, conservadas e administradas. A maior parte das vacinas do PNV, e respectivos solventes, devem ser conservados a uma temperatura entre 2ºC e 8ºC, não devendo ser congelados; estas condições ser mantidas ao longo de toda a rede de frio (armazenamento, transporte e vacinação) (4).

Segundo o PNV, os indivíduos devem ser vacinados contra o tétano aos 2, 4, 6 e 18 meses de idade, aos 5-6 anos e 10-13 anos e, posteriormente, de 10 em 10 anos durante toda a vida (4).

A vacinação anti-tetânica é realizada recorrendo a uma vacina trivalente contra a difteria, o tétano e a tosse convulsa (DTPa), a qual só pode ser administrada até aos 6 anos de idade, inclusivé. É uma vacina combinada trivalente, contendo toxóide diftérico adsorvido (D), toxóide tetânico adsorvido (T), e subunidades de Bordetella pertussis (Pa). Tem como contra-indicações a reacção anafilática a uma dose anterior, a algum constituinte da DTPa, ou a outras vacinas contendo um ou mais destes antigénios. Deve estar-se especialmente atento em casos de alterações neurológicas que predisponham ao aparecimento de convulsões ou deterioração neurológica, nomeadamente encefalopatia evolutiva (precaução para o componente pertussis), e em casos de doença aguda grave, com ou sem febre. A dose a administrar é de 0,5 ml, por via intramuscular. Em crianças com idade inferior a 12 meses, deve ser administrada no músculo vasto externo, na face externa da região antero-lateral da coxa esquerda. Em indivíduos com mais de 12 meses deve ser administrada na face externa da região antero-lateral do terço superior do braço esquerdo (4).

A vacinação anti-tetânica pode ser efectuada com a vacina tetravalente contra a difteria, o tétano, a tosse convulsa e a doença invasiva por Haemophilus influenzae b (DTPaHib), em que à DTPa se associam oligossacáridos ou polissacárido capsulares de Haemophilus influenza b, conjugados com uma proteína bacteriana (Hib). Pode também ser realizada com a vacina tetravalente contra a difteria, o tétano, a tosse convulsa e a poliomielite (DTPaVIP), onde à DTPa se associam vírus de poliomielite (tipos 1, 2 e 3), inteiros e inactivados (VIP). Pode ainda ser realizada com a vacina pentavalente contra a difteria, o tétano, a tosse convulsa, a doença invasiva por Haemophilus influenza b e a poliomielite (DTPaHibVIP) (4).

No adulto, independentemente do seu estado vacinal anterior, a vacina a utilizar é a vacina combinada contra o tétano e a difteria (Td), em que o componente diftérico está reduzido. Aos adultos que nunca foram vacinados contra o tétano, deve administrar-se 3 doses de Td, com um intervalo de 4-6 semanas entre a primeira e a segunda doses, e de 6-12 meses entre a segunda e a terceira doses. As mulheres em idade fértil que nunca tenham sido vacinadas contra o tétano, devem efectuar dois reforços, o primeiro 1-5 anos após a 3ª dose, e o segundo 1-10 anos após a 4ª dose. Após a primovacinação, todos os adultos devem continuar o esquema recomendado, com reforços de Td durante toda a vida (de 10 em 10 anos) (4).

As reacções adversas mais frequentes são as locais como dor, eritema, rubor e edema no local da injecção, que ocorrem 1-3 dias após a administração da vacina. Pode formar-se um nódulo duro e doloroso no local da injecção, que persiste por várias semanas. Está descrita a ocorrência de reacções sistémicas como cefaleias, sudorese, arrepios, febre, sensação de vertigem, astenia, hipotensão, mialgias e artralgias. Estas reacções são mais frequentes em indivíduos que fizeram doses de reforço muito frequentes (4).

A decisão de vacinar durante a gravidez, assim como o número de doses a administrar, deve basear-se no número total de doses de toxóide tetânico recebidas pela mulher antes de engravidar. A vacina a utilizar é a Td. É desejável que uma mulher não vacinada na infância/adolescência seja vacinada com um mínimo de 5 doses de toxóide tetânico durante a idade fértil. As mulheres com uma história vacinal desconhecida, com nenhuma, uma ou duas doses de toxóide tetânico, devem seguir o esquema seguinte. A primeira dose deve ser administrada logo no primeiro contacto durante a gravidez (preferencialmente no 2º trimestre da gravidez). A segunda dose deve ser administrada, pelo menos, 4 semanas depois da primeira e, idealmente, até 2 semanas antes do parto. Recomenda-se ainda a administração de uma terceira dose, 6-12 meses depois da segunda dose. As mulheres com história vacinal desconhecida e as que não tenham nenhuma dose de vacina contra o tétano antes da gravidez, devem ainda receber dois reforços, o primeiro 1 a 5 anos depois da 3ª dose e o segundo 1 a 10 anos depois da 4ª dose (4).

A vacinação anti-tetânica pós-ferimento está dependente do estado vacinal do indivíduo e do tipo de lesão. Devem considerar-se potencialmente tetanogénicas todas as feridas ou queimaduras sem tratamento cirúrgico nas primeiras 6 horas, todas as que tenham sido realizadas por objectos punctiformes (pregos, espinhos, dentadas), com tecido desvitalizado, contaminadas com solo ou estrume, e aquelas que apresentam evidência clínica de infecção (3).

A ferida infectada deve ser limpa com anti-séptico, eliminando-se corpos estranhos e tecido necrótico, uma vez que estes facilitam o desenvolvimento de Clostridium tetani e a libertação de toxinas. A administração de imunoglobulina humana anti-tetânica (IHT) deverá ser feita antes da limpeza da ferida, uma vez que esta operação poderá libertar uma quantidade significativa de toxina tetânica.

Os indivíduos que apresentem feridas pequenas e não conspurcadas, se possuírem registo de, pelo menos, 3 doses de vacina contra o tétano, a última das quais administrada há menos de 10 anos, consideram-se protegidos contra o tétano (4).

Para todos os outros tipos de ferimentos potencialmente tetanogénicos, apenas os indivíduos com registo de pelo menos 3 doses de vacina contra o tétano, a última das quais administrada há menos de 5 anos, se consideram protegidos (4).

Consoante o tipo de ferimento, os indivíduos que não cumpram as condições acima referidas, devem ser vacinados com uma dose de vacina contra o tétano, DTPa ou Td, dependendo da sua idade, aquando do tratamento da ferida (4).

A qualquer pessoa que tenha o esquema no PNV em atraso, deve ser administrada uma dose de DTPa ou Td, de acordo com a idade, independentemente do número de doses que tiver recebido (4).

Indivíduos com alterações imunitárias, com feridas potencialmente tetanogénicas, devem receber uma dose de vacina e também uma dose de imunoglobulina anti-tetânica, independentemente do seu estado vacinal. Na administração devem ser usadas seringas diferentes e serem aplicadas em locais anatómicos diferentes (4).

Se após tratamento e vacinação, o número total de doses da vacina for desconhecido ou insuficiente, o ferido deve ser aconselhado a deslocar-se posteriormente (um mês depois) ao seu centro de saúde para completar o esquema vacinal (4).

Indivíduos que tiveram tétano devem ser vacinados, uma vez que a doença natural não confere imunidade.

Na prevenção do tétano neonatal, deve ser administrada a imunoglobulina humana anti-tetânica (IHT) e ser considerada a antibioterapia (penicilina) como tratamento de outras infecções. Neste caso, a primeira dose da vacina contra o tétano deve ser antecipada para as 4-6 semanas de vida, sendo a vacina a utilizar a DTPa (4).

Os esquemas de vacinação recomendados não são rígidos, devendo adaptar-se às circunstâncias locais, epidemiológicas ou de outra natureza e, ainda, a especificidades individuais, se razões de ordem clínica ou outras o justificarem (4).

No caso do tétano, em que a protecção é individual, apenas uma cobertura vacinal de 100% evita o aparecimento de novos casos (4).

Referências bibliográficas

1. Heymann, David L, ed. Control of communicable diseases manual. 18th ed. Washington: American Public Health Association; 2006.

2. Murray PR, Rosenthal KS, Kobayashi GS, et al. Microbiologia médica. 3ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan SA; 2000.

3. Braunwald E, Fauci AS, Hauser SL, et al. Harrison manual de medicina. 16ª ed. Madrid: MacGraw-Hill Interamericana de Espanha; 2006.

4. Direcção-Geral da Saúde. Divisão de Doenças Transmissíveis. Programa nacional de vacinação 2006. Lisboa: Direcção-Geral da Saúde; 2005.


1 Prelector: Gomes Pereira médico do Internato Médico de Saúde Pública

Sessão de educação para a saúde dirigida a funcionários de uma escola do ensino secundário

Portal de Saúde Pública, 2009