Toxinfecção alimentar colectiva por Salmonella enterica Typhimurium: estudo de coorte

Estudo original: Braga, 2005

Resumo

Em Março de 2005 decorreu um jantar de aniversário numa casa particular em Braga, com 28 participantes, 15 dos quais adoeceram com um quadro clínico de gastroenterite aguda. A investigação de campo foi efectuada por técnicos da Unidade Operativa de Saúde Pública de Braga (médico de saúde pública e técnicos de saúde ambiental) e teve como principais objectivos determinar a extensão do surto e a sua etiologia, identificar o modo de transmissão, o veículo e o agente patogénico, bem como recomendar ou impor a adopção de medidas de prevenção e controlo adequadas.

Foi efectuado um estudo de coorte que incluiu todos os participantes no jantar de aniversário. Elaborou-se a curva epidémica do surto e compararam-se as taxas de ataque específicas. Utilizou-se a aplicação informática Microsoft Excel 2003 para a compilação da informação recolhida, e o pacote estatístico Epi-Info 2000 para a análise estatística univariada. Para cada alimento ingerido calculou-se o risco relativo (IC95%);  o valor p foi determinado com o Teste Exacto de Fisher. Procedeu-se à recolha de amostras de fezes em doentes para avaliação microbiológica, e aos manipuladores de alimentos a pesquisa de agentes patogénicos incluiu a realização de exsudados orofaríngeos e coproculturas. Avaliaram-se as condições de transporte, acondicionamento e manuseamento dos alimentos suspeitos, entre os momentos de aquisição e de consumo.

Todos os participantes no jantar responderam ao inquérito epidemiológico, sendo 11 do sexo masculino e 17 do sexo feminino; a idade mediana foi de 49,5 anos. Os primeiros casos adoeceram cerca de 7 horas após a ingestão dos alimentos suspeitos e o último caso ocorreu cerca de 35 horas depois; a mediana do período de incubação foi de 16 horas. A duração mediana do quadro clínico foi de 3 dias. Relativamente à análise dos alimentos consumidos pelos doentes, o arroz de pato foi o único associado ao risco de doença, com uma taxa de ataque de 65% e um risco relativo indefinido (RR=∞). A associação entre a ingestão de arroz de pato e o risco de adoecer foi estatisticamente significativa (p=0,013); nenhum outro alimento foi associado ao risco de doença. O agente etiológico que originou o surto foi a Salmonella enterica Typhimurium. Considerando a avaliação do processo de preparação, acondicionamento e transporte do alimento suspeito, identificaram-se vários pontos críticos, incluindo factores de risco comportamentais e operacionais, favoráveis à contaminação, crescimento e sobrevivência microbiana.

O lapso de tempo, relativamente curto, que decorreu entre o aparecimento dos primeiros sinais e sintomas e a comunicação do surto ao delegado de saúde facilitou o planeamento e início atempado das acções conducentes à sua investigação. A presença do agente etiológico no arroz de pato foi devida a contaminação cruzada com outros alimentos e utensílios, associada a práticas insalubres na manipulação de alimentos. A investigação ambiental, incluindo a avaliação “in loco” e a inquirição dos manipuladores de alimentos, é essencial na investigação das toxinfecções alimentares, porque permite diagnosticar deficiências estruturais e processuais, incluindo riscos e pontos críticos.

Palavras-chave: Investigação ambiental, manipuladores de alimentos, Salmonela enterica Typhimurium, TAC, toxinfecção alimentar

Relatório do estudo de coorte

Contacto com o autor: SaudePublica@netcabo.pt

© Fernando Costa Silva, 2005