Higiene Alimentar

Código de Boas Práticas

Boas Práticas de Higiene e boas Práticas de Fabrico

(continuação)

6. Higiene e Segurança dos Processos

6.1  Regras gerais

Em todas as unidades deverá existir uma zona de copa limpa e outra de copa suja distintas. Ou seja, na zona de copa limpa é onde se preparam os alimentos e onde se faz o empratamento, na copa suja é onde se higienizam todos os utensílios. Nesta copa, além da pia com água quente e fria, deve existir uma máquina de lavar louça. Esta garante que os utensílios atingem uma temperatura à qual a maioria dos microrganismos não sobrevive.

Durante a confecção dos alimentos é de maior importância controlar o tempo/ temperatura de cozedura. Pois um alimento mesmo que atinja uma temperatura elevada, se permanecer pouco tempo na cozedura pode potenciar o crescimento de microrganismos susceptíveis de causar infecções. O mesmo se passa se o alimento não atingir a temperatura desejada. É de referir também que a temperatura excessiva e prolongado tempo de confecção também podem ser prejudiciais. Alguns alimentos, como o óleo, degradam-se facilmente e podem produzir substâncias que vão contaminar quimicamente os alimentos. Outros alimentos que não podem ser sujeitos a temperaturas elevadas, devem ser servidos imediatamente após a sua confecção.

Uma medida que também se pode tomar é verificar o estado dos produtos a utilizar. Mesmo que estejam dentro da validade, devem-se rejeitar os produtos que apresentem alterações de cor e de cheiro. Esta medida também deve ser tomada na recepção das matérias-primas, devolvendo aquelas que não se apresentem em boas condições.

Para evitar ou diminuir o risco de ocorrência de um perigo é necessário ter cuidado com a qualidade higiénica de produtos e materiais utilizados. Ou seja, deve-se ter em atenção que as matérias-primas, as embalagens, os produtos semi-fabricados e acabados não estejam armazenados com substâncias tóxicas, estejam protegidos contra as pragas e se algum material ou produto evidenciar sinais de que foi contaminado, ou que possua corpos estranhos, deve ser imediatamente rejeitado.

Todos os parâmetros do processo, desde a confecção até ao possível embalamento para armazenagem, devem ser controlados, assim como as temperaturas de armazenamento.

A qualidade higiénica do ar e da água também é de extrema importância, devendo-se, se necessário proceder ao seu tratamento e desinfecção.

Os alimentos podem ser distinguidos em três grupos consoante o seu risco de contaminação:

6.2  Água

A água, numa cantina, pode ser utilizada como serviço auxiliar e como matéria-prima. Independentemente da origem que uma água possa ter, esta deve encontrar-se isenta de qualquer contaminação química ou microbiológica. Um abastecimento adequado de água potável deve ser providenciado, tal como determina a Directiva nº 80/778/CEE e o Decreto-Lei nº 243/2001.

Caso seja necessário produzir gelo ou vapor, deve ser utilizada água potável. O gelo deve ser fabricado, armazenado e manipulado em condições que o protejam de qualquer tipo de contaminação.

6.3  Ar

A unidade deve ser ventilada correctamente de modo a prevenir a acumulação de humidade e calor excessivos, minimizando a condensação no seu interior, reduzindo assim a contaminação dos alimentos por via aérea.

6.4  Descongelamento

O descongelamento dos produtos alimentares deve ser realizado com antecedência no frigorífico. Nunca deve ser realizado à temperatura ambiente. Em casos de necessidade, o descongelamento poderá ser efectuado no microondas ou debaixo de água quente corrente, desde que o produto se encontre protegido pela sua embalagem. Contudo, esta prática deve ser evitada.

Ao colocar o produto a descongelar no frigorífico, deve-se ter cuidado para que não haja outros produtos alimentares por baixo. A água de descongelação deverá ser recolhida e evitado o contacto desta com o produto alimentar a descongelar. Deve-se também proteger os alimentos devido à possibilidade de ocorrer contaminação cruzada e transmissão de cheiros.

6.5  Condimentos

A adição de condimentos deve ser efectuada durante a confecção dos alimentos e evitada após esta. 

6.6  Óleo de fritura

A qualidade dos óleos de fritura é importante na medida de que pode contaminar quimicamente os alimentos. Para tal não ocorrer deve-se evitar a reutilização de óleos usados e armazenar adequadamente os óleos e gorduras a usar nos alimentos (devem ser armazenados em locais secos, ao abrigo da luz e afastados de fontes de calor).

Deve-se realizar periodicamente uma verificação e respectivo registo da qualidade do óleo de fritura. Tem que se garantir que na preparação e fabrico de géneros alimentícios sujeitos a fritura, a temperatura da gordura ou óleo não ultrapasse os 180ºC.

6.7  Condições de armazenamento

Os produtos devem estar armazenados consoante a sua família e devem ser devidamente ordenados segundo alguns princípios:

Deve também ser assegurado que são acondicionados nas melhores condições (em recipientes de materiais próprios), protegidos da contaminação por agentes microbianos e da acção de insectos e roedores, estarem ao abrigo da luz solar directa, humidade e calor.

Para produtos que necessitem de frio é recomendada a existência de câmaras de frio separadas para matérias-primas e para produtos acabados, no caso de tal não ser possível deve-se ter em atenção certos aspectos, tais como armazenar os produtos confeccionados num plano superior ao dos alimentos crus. Quer haja mais de uma câmara de refrigeração ou quer haja uma é necessário ter em atenção a possibilidade de contaminação cruzada e à transmissão de cheiros.

Para prevenir contaminações cruzadas entre produtos deve-se:

Para evitar a transmissão de cheiros entre produtos deve-se saber:

Assim sendo deve evitar-se armazenar/acondicionar produtos incompatíveis, nomeadamente os que transmitem e os que captam odores.

Devido ao consumo de energia elevado e possíveis avarias, devem-se afastar os equipamentos de frio de fontes de calor (tais como máquinas e equipamentos).

3.8  Importância do tempo e temperatura de confecção e do armazenamento

Como já foi referido, o tempo e a temperatura de confecção são de extrema importância para a eliminação de microrganismos, assim como a temperatura de armazenagem.

Na tabela 1 são apresentados alguns perigos biológicos e as principais condições, a nível da temperatura, para o seu desenvolvimento. Nesta tabela apresentam-se as temperaturas criticas e salienta-se a importância da conservação dos alimentos, quer através da refrigeração, quer através das temperaturas de confecção. Ou seja, manter e armazenar os alimentos abaixo da temperatura indicada como mínima e elevar a sua temperatura de confecção acima da indicada como máxima. O intervalo entre estas duas temperaturas é designado por zona de perigo.

Tabela 1 – Alguns perigos biológicos e condições para o seu desenvolvimento

Perigos

Temperatura (ºC)

mínima

máxima

Baccillus cereus

5

55

Campylobacter jejunii

32

45

Clostridium botulinum Tipos A e B proteolíticos

10

50

Clostridium botulinum Tipo E não proteolítico

3

45

Clostridium perfringens

12

50

Escherichia coli

7

46

Listeria monocytogenes

0

45

Salmonella spp

5

47

Shigella spp

7

47

Staphylococcus aureus

7

48

Vibrio parahaemolyticus

5

43

Vibrio cholerae

10

43

Vibrio vulnificus

8

43

Yersinia enterocolitica

-1

42

Fontes: Food and Drug Administration (2001); International Commission on Microbiological Specification for Foods (1980, 1996)

O crescimento de microrganismos patogénicos será tanto mais acelerado quanto mais próximo da temperatura óptima de crescimento se encontrar o alimento. Na tabela seguinte são apresentados os possíveis tempos máximos de exposição dos alimentos, tendo em consideração a temperatura do produto. Ou seja se um determinado alimento se encontrar à temperatura de 10ºC mais de 17 horas, existe a possibilidade de crescimento e formação de toxinas de Baccillus cereus.

Esta tabela ajuda a entender a importância das temperaturas de conservação dos alimentos e os riscos biológicos associados, se estas não forem respeitadas, assim como o tempo de conservação de um produto. Os valores referem-se à maioria dos géneros alimentares, sendo que existem outros factores que podem potenciar ou diminuir o crescimento dos microrganismos, tais como a actividade da água e a sua acidez (pH).

Tabela 2 – Tempos máximos acumulados de exposição de alimentos, tendo em consideração a temperatura do produto e as condições potenciais de risco.

condições potenciais de risco

temperatura do produto

tempo máximo de exposição (acumulado)

Crescimento e formação de toxinas de Baccillus cereus

4 « 6ºC

7 « 10ºC

11 « 21ºC

Acima dos 21ºC

5 dias

17 horas*

6 horas*

3 horas

Crescimento de Campylobacter jejunii

30 « 34ºC

Acima dos 34ºC

48 horas

12 horas

Germinação, crescimento e formação de toxinas pelo Clostridium botulinum Tipo A e proteolíticos B e F

10 « 21ºC

Acima dos 21ºC

11 horas*

2 horas*

Germinação, crescimento e formação de toxinas pelo Clostridium botulinum Tipo E e não protelíticos B e F

3,3 « 5ºC

6 « 10ºC

11 « 21ºC

Acima dos 21ºC

7 dias

>2 dias

11 horas

6 horas

Crescimento de Clostridium perfringens

10 « 12ºC

13 « 14ºC

15 « 21ºC

Acima dos 21ºC

21 dias

1 dia

6 horas*

2 horas*

Crescimento de esporos patogénicos de Escherichia coli

7 « 10ºC

11 – 21ºC

Acima dos 21ºC

14 dias

6 horas

3 horas

Crescimento da Listeria monocytogenes

-0,4 « 5ºC

6 « 10ºC

11 « 21ºC

Acima dos 21ºC

7 dias

2 dias

12 horas*

3 horas*

Crescimento de Salmonella spp

5,2 « 10ºC

11 « 21ºC

Acima dos 21ºC

14 dias

6 horas

3 horas

Crescimento de Shigella spp

6,1 « 10ºC

11 « 21ºC

Acima dos 21ºC

14 dias*

12 horas*

3 horas*

Crescimento e formação de toxinas por Staphylococcus aureus

7 « 10ºC

11 « 21ºC

Acima dos 21ºC

14 dias

12 horas*

3 horas

Crescimento de Vibrio parahaemolyticus

5 « 10ºC

11 « 21ºC

Acima dos 21ºC

21 dias

6 horas*

2 horas*

Crescimento de Vibrio cholerae

10ºC

11 « 21ºC

Acima dos 21ºC

21 dias

6 horas*

2 horas*

Crescimento de Vibrio vulnificus

8 « 10ºC

11 « 21ºC

Acima dos 21ºC

21 dias

6 horas

2 horas

Crescimento de Yersinia enterocolítica

-1,3 « 10ºC

11 « 21ºC

Acima dos 21ºC

1 dia

6 horas

2,5 horas

Fonte: Forvisão - Os perigos para a segurança alimentar no processamento dos alimentos

* Requer dados adicionais

Durante a confecção dos alimentos a quente, deve-se garantir que todos os seus pontos atinjam no mínimo a temperatura de 75ºC, durante pelo menos 2 minutos. A destruição microbiana não depende somente da temperatura mas também do tempo a que o alimento está submetido à temperatura mínima de segurança e da carga inicial de microrganismos.

A seguir é apresentada uma relação tempo/temperaturas mínimas de segurança de confecção para a preparação de diferentes tipos de alimentos. A temperatura mencionada refere-se à temperatura interna do alimento. Esta pode ser medida com um termómetro alimentar especifico. É de mencionar que o processo de confecção nunca deve ser interrompido.

Tabela 3 – Temperaturas internas mínimas de segurança

produto

temperatura interna - tempo

Carnes recheadas, massas e recheios que contenham carne, aves ou peixe

75ºC - 15 segundos

Aves

75ºC - 15 segundos

Porco, bacon, salsicha fresca

63ºC - 15 segundos

Carnes moídas ou desfiadas, incluindo hambúrguer, salsicha e peixe desfiado

68ºC - 15 segundos

Carne assada de porco e vaca

63ºC - 4 minutos

Bife de vaca, carneiro, vitela e veado

63ºC - 15 segundos

Peixe e marisco

63ºC - 15 segundos

Vegetais servidos quentes

60ºC - 15 segundos

Ovos e produtos que contêm ovos frescos

68ºC - 15 segundos

Alimentos pré-cozinhados

75ºC - 15 segundos

Qualquer alimento de alto risco confeccionado em microondas

75ºC - 15 segundos

Fonte : Authority of Ireland, Food Safety

 

Os ovos são dos alimentos de maior risco e não devem ser utilizados na preparação de pratos, molhos ou sobremesas sem processamento térmico. Nesses casos deve-se utilizar ovos pasteurizados.

A presença de uma bactéria em particular, a Salmonella, pode provocar toxinfecções graves, por vezes mortais, pelo que o uso de ovos crus ou mal cozinhados deve ser evitado, sujeitando os ovos a um intervalo de tempo/temperatura de confecção que permita eliminar essa bactéria. Na tabela 4 são apresentados os tempos de confecção aconselhados para a confecção de ovos.

Tabela 4 – Tempos de confecção aconselhados para os vários tipos de confecção dos ovos

tipo de confecção

tempo (minutos)

Quente

3 (com água em ebulição)

Cozido

10 (com água em ebulição)

Escalfado

3

Estrelado

4 - 5

Mexido

5 - 6

Omeleta

4 - 5

Fonte: Gonçalves, M; Associação da Restauração e Similares de Portugal ( 2003)

Alimentos ou refeições que não sejam para consumo imediato, devem ser mantidos em condições que permitam a sua manutenção à temperatura de segurança recomendada, consoante o tipo de alimento, o momento e a forma como vai ser consumido. Após a sua confecção, estes alimentos devem ser rapidamente arrefecidos até aos 10 ºC no período máximo de 2 horas e posteriormente acondicionados a temperaturas iguais ou inferiores a 4ºC. Estes alimentos devem ser consumidos no prazo de 7 dias.

O arrefecimento deverá se efectuado em células de arrefecimento rápido. Caso estas não existam, o arrefecimento deverá ser efectuado colocando o recipiente com o alimento num banho de água fria e introduzi-lo posteriormente na câmara frigorífica.

Para reaquecer o alimento que foi confeccionado a quente, arrefecido e mantido durante um certo tempo em refrigeração, deve-se assegurar que durante o tratamento térmico o alimento alcance a temperatura de 82ºC num período que não ultrapasse as 2 horas. Os alimentos que forem reaquecidos não poderão voltar a ser arrefecidos e refrigerados.

Cláudia Silva © Portal de Saúde Pública, 2007