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Contratualização e Necessidades em Saúde nos Cuidados Primários 1

Sustentabilidade do Sistema de Saúde

O novo milénio herdou pesados desafios de saúde pública, sendo um dos maiores a sustentabilidade e o financiamento dos sistemas de saúde.

É reconhecido o progressivo alargamento do consumo de cuidados de saúde e do mercado farmacêutico. Para tal concorrem múltiplos factores, como: o envelhecimento da população e a transição epidemiológica associada (pautada pelo aumento das doenças crónicas e degenerativas, patologia oncológica e incapacidade, entre outros) que conduzem a uma maior solicitação de cuidados assistenciais curativos e paliativos; maiores expectativas das populações face à saúde; o exercício duma medicina “defensiva” que recorre a tecnologia cada vez mais dispendiosa; a excessiva “medicalização” de factores de risco e de situações fisiológicas, etc.

Se há gastos que são incontornáveis, outros há que correspondem a “desperdício em saúde”, agravando a preocupação central das políticas de financiamento, partilhada por inúmeros países.

Com efeito, Portugal partilha desta preocupação e da necessidade de dar resposta a este desafio. Nesse sentido, e coincidindo com o contexto dos países ocidentais, o governo português adoptou e iniciou (em 1997) a implementação faseada de políticas de contratualização.

Contratualização – Definição e Objectivos

A contratualização pode ser definida do seguinte modo: “negociação de objectivos de desempenho, incluindo os económicos, com os prestadores de cuidados de saúde, resultando dessa negociação um compromisso explícito entre ambas as partes”. Entende-se por “partes” as instituições prestadoras de cuidados de saúde (integradas no Serviço Nacional de Saúde) e o Estado (enquanto entidade financiadora).

No sentido de implementar esta política, surge a noção de “Agência” cuja função é a de “dar resposta a uma necessidade sentida pelos vários actores que intervêm no sector da saúde”. Em suma, cumpre-lhe mediar a negociação e contratualização em saúde.

A contratualização propõe-se atingir os seguintes objectivos:

melhorar o nível de saúde da população;

responder com efectividade às necessidades em saúde da população;

obter um efectivo e rigoroso controlo sobre o crescimento das despesas de origem pública com a saúde;

alcançar uma superior eficiência no uso de recursos escassos, maximizando o nível de bem-estar;

disponibilizar, em tempo útil, a informação de produção, financiamento, desempenho, qualidade e acesso, de forma a garantir adequados níveis de informação ao cidadão.

Estes objectivos têm 3 áreas de aplicação que são: cuidados primários, hospitais e programas de saúde. Daqui nascem os três principais tipos de contratualização.

Considerando a reforma vigente nos cuidados de saúde primários, a contratualização tem sido apontada como um factor fundamental na implementação da mesma. Com efeito, afigura-se como instrumento e importante indutor de maior responsabilização e exigência, sempre no sentido de alcançar melhores resultados em saúde.

Contratualização – Ameaças e Fragilidades

No processo de implementação da contratualização, o mais frágil e mais difícil de concretizar é a obtenção de indicadores de contratualização fiáveis, justos, reais, exigentes na gestão mas sem nunca descurarem a qualidade de serviços e os cuidados prestados.

Salvaguardando o rigor e a exigência que deverá pautar qualquer instituição e guiar todos os profissionais, não deverá atender-se exclusivamente à dimensão económico-financeira. Ainda menos na saúde.

Salienta-se ainda a necessidade de não comprometer a formação dos futuros profissionais (como por exemplo, dos médicos internos). Da mesma preocupação goza a investigação, particularmente, a de “terreno”, que resulta do trabalho directo a nível local, conhecedor da realidade e próximo das comunidades, que dará ferramentas de melhoramento dos planos de acção estratégicos e tácticos. Desse processo dinâmico resultará a elevação do nível dos serviços prestados e da saúde das populações.

Perante tantas tensões a considerar e não sendo abundante a informação sobre referenciais de qualidade para todos os serviços prestados e passíveis de o ser (particularmente nos cuidados primários), urge a necessidade de investir a este nível. E se assim é noutros países, ainda mais num país como Portugal que não tem tradição de planeamento, avaliação e investigação.

Contratualização – Recursos e Oportunidades

No que diz respeito às necessidades em saúde, estas deverão decorrer dum diagnóstico de situação o mais completo possível, sob pena de se comprometer o sucesso das acções empreendidas. Obviamente, a própria contratualização também sofrerá repercussões pois a identificação e valorização das necessidades em saúde são pilar fundamental na elaboração do contrato-programa negociado e assumido pelas instituições e equipas prestadoras.

Dos três tipos de planeamento − com base na população, com base na instituição, e por programas − o mais adequado aos cuidados primários é aquele que tem por base a população. O planeamento de base populacional caracteriza-se por: identificar a população alvo, identificar as necessidades de saúde da população, estimar os serviços necessários para suprir necessidades, e propor a alocação de recursos.

Dada a missão e competências legalmente atribuídas, o médico de saúde pública é um profissional privilegiadamente destacado para a elaboração do diagnóstico de situação de saúde das populações.

Essa capacidade não só se deve à preparação técnica e metodológica dos médicos de saúde pública como também, e sobretudo, ao seu posicionamento junto das populações (nas unidades de saúde pública, integradas nos centros de saúde).

Assim, mediante o trabalho destes profissionais e de todos os que incorporam os serviços de saúde pública, se obtêm a nível local:

as necessidades normativas, quantificadas por aplicação de metodologias técnico-científicas e orientações nacionais e internacionais (com evidência científica de serem determinantes para a obtenção de ganhos em saúde);

necessidades sentidas e expressas pelos cidadãos, apuradas pelo grau de utilização dos serviços de saúde (e outros), pela resposta a inquéritos ou questionários, pela manifestação directa aos profissionais de saúde, mediante a representação de autarcas, representantes de associações civis, responsáveis por organizações de doentes ou instituições locais, etc.

Esta possibilidade traz ao centro da acção o próprio cidadão, atribuindo-lhe o empowerment (*) e participação que muitas vezes não tem nos sistemas estatais que o servem sem o ouvir. Assim, há a possibilidade de trabalhar com o cidadão e não (simplesmente) para o cidadão, atendendo às suas preferências e visando a sua satisfação e percepção de qualidade.

Contratualização e Serviços de Saúde Pública

Assim se conclui que o papel e funções do médico de saúde pública, integrado nos serviços de saúde pública locais, se afiguram como fonte de recursos para enfrentar os desafios que a própria contratualização assume para o seu futuro − “contratualizar saúde e não apenas cuidados de saúde, obtendo macro eficiência para o conjunto do sistema” − e para a ultrapassagem dos quais considera crucial:

passar de uma abordagem populacional isolada (hospitais ou centros de saúde) para uma contratualização de âmbito geográfico-populacional, seguindo critérios de capitação ajustada e abordando os diversos estabelecimentos de saúde em termos de rede ou de cadeia de cuidados;

promover a participação efectiva do cidadão e da comunidade no processo de contratualização, nomeadamente através da participação organizada e permanente dos utentes.

(*) empowerment: "reforço da capacitação/poder de intervenção das comunidades, como direito e dever, associado à auto-responsabilização dos cidadãos pelas suas acções e opções, no sentido de obterem mais saúde". Para complementar a informação consulte dos seguintes documentos: "Carta de Ottawa" e "Alma-Ata e Ottawa − as conferências entre as conferências...".

1 Autora: Ana Catarina Peixoto Rego Meireles

Trabalho elaborado com base na informação e conhecimentos adquiridos nas aulas do Módulo de Financiamento e Contratualização em Saúde, pela consulta do site da Contratualização, e documentos disponibilizados através da plataforma e-learning da Escola Nacional de Saúde Pública) pelos responsáveis deste Módulo e do Módulo de Estratégias de Acção e Planeamento em Saúde

Ana Catarina Meireles © Portal de Saúde Pública, 2008