Saneamento Básico  —  Abastecimento de Água

Importância da Água em Saúde Pública

  Acção de Formação *

Sumário

1. Ciclo da água

2. Aspectos sanitários

2.1 Riscos directos e indirectos

2.2 Requisitos de potabilidade

2.3 Quantidade de água - necessidades

3. Fontes de água potável

3.1 Categorias

4. Sistemas de abastecimento de água

4.1 Rios, lagos, represas e fontes

4.2 Cisternas

4.3 Poços e furos

4.4 Sistema público de abastecimento

4.5 Tratamento doméstico da água

4.6 Controlo da qualidade da água

Nenhuma forma de vida, animal ou vegetal, é possível sem água, razão porque esta é considerada um recurso de primeira necessidade. Sendo verdade que as primeiras comunidades humanas da história se organizavam para viver nas proximidades dos cursos de água, também não existem dúvidas que a água continua a constituir um dos factores mais importantes para o progresso das sociedades contemporâneas. Nenhuma comunidade pode viver ou evoluir sem um abastecimento adequado de água, que permita aos seus habitantes viver de modo saudável e confortável, e que contribua para o desenvolvimento da sua economia.

Esta noção de evolução não pode ser concebida sem, simultaneamente, se considerar a sua salubridade. Além do abastecimento em quantidade suficiente, é requisito essencial que a água seja saudável e pura, uma vez que também é o veículo mais comum e importante na transmissão/veiculação de doenças. Assim, a salubridade da água deve ser considerada uma das principais preocupações dos cidadãos e técnicos de saúde, tendo em vista a salvaguarda da saúde pública.

Ciclo da Água

A água existe na natureza em três estados (líquido, sólido e gasoso) e percorre um "ciclo eterno contínuo". A evaporação lenta e incessante a partir dos rios, lagos e mares, origina a formação de nuvens na atmosfera superior que, por condensação, se transforma em chuva. Uma parte da água da chuva atinge a superfície terrestre e aumenta o caudal dos cursos de água e dos lagos, ficando sujeita à (a) evaporação e (b) infiltração no solo. A água infiltrada é parcialmente absorvida pela vegetação, que alimenta antes de ser rejeitada para a atmosfera. A restante parte acumula-se no solo e pode formar lençóis subterrâneos que, ao emergirem, dão origem a fontes/nascentes de vários tipos. Na natureza é possível encontrar água nas seguintes formas: (a) subterrânea, (b) doce superficial, corrente e parada, (c) marítima, (d) estuaria e (e) vapor atmosférico.

Aspectos Sanitários

A água pura não existe no estado natural. A água da chuva ao cair, engloba na sua constituição diversos tipos de poeiras, oxigénio e gás carbónico, podendo mesmo absorver os fumos que existem geralmente nas zonas urbanas e suburbanas. Atingindo a superfície do solo, a água fica exposta a diferentes formas de poluição e contaminação, nomeadamente por dejectos humanos e de outros animais, absorve o gás carbónico e produtos resultantes da decomposição da matéria orgânica, e incorpora uma grande variedade de partículas em suspensão nos cursos de água. A água subterrânea também não está isenta de impurezas, apesar da capacidade filtrante do solo, que retém sempre alguma quantidade de matérias poluentes, podendo ainda dissolver uma grande variedade de compostos químicos existentes nos solos/terrenos que atravessa. Em resumo, as impurezas mais frequentes na água são:

Relativamente àquelas impurezas, as mais importantes são os agente biológicos patogénicos, que podem originar doenças diarreicas ou entéricas, como a cólera, as febres tifóide e paratifóide, as disenterias bacilar e amebiana, as hepatites A e E, etc.

A água também pode contribuir para a proliferação de parasitas e artrópodes vectores de doenças, como no caso do sezonismo (ou paludismo), febre amarela, dengue, filariose, tripanosomíase (doença do sono), chistosomíase (bilharsiose) e oncocercose.

Também podem existir doenças relacionadas com a qualidade química da água, por excesso ou deficiência de certos produtos na sua composição, como (a) saturnismo, devido a excesso de chumbo, (b) meta-hemoglobinemia, ou cianose, originada pelo excesso de nitratos, (c) fluorose, devida a excesso de flúor, (d) cárie dentária, devida a défice de flúor, (e) bócio endémico, originado por deficiência de iodo, etc. Algumas substâncias dão à água propriedades laxantes, como os sulfatos, ou tornam-na tóxica, como o zinco, o arsénio, o selénio, o mercúrio, o cádmio, o crómio hexavalente, o cianeto e o cádmio. Os catiões bivalentes, como o cálcio e o magnésio (que determinam a dureza da água), os compostos organoclorados, os hidrocarbonetos aromáticos policíclicos, os detergentes aniónicos e os radionuclidos, são outros exemplos de produtos químicos e radioactivos que podem poluir a água.

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As doenças transmitidas ao homem através da água são denominadas «doenças de veiculação hídrica», pois a água serve de meio de transporte a (1) agentes patogénicos, como os eliminados pelo homem e outros animais, através dos seus dejectos, ou a (2) poluentes químicos e radioactivos, como os existentes nos esgotos industriais. Os riscos para a saúde podem ser divididos em duas grandes categorias:

Riscos Directos:

Riscos Indirectos:

Tanto os agentes biológicos como os produtos poluentes, químicos e radioactivos, podem atingir o homem por (a) ingestão, directa ou através de alimentos, ou por (b) contacto com a pele e mucosas, através da higiene corporal, da preparação de alimentos, de práticas recreativas e desportivas, de actividades industriais e agrícolas (por exemplo, irrigação de terras).

Nos quadros seguintes apresentam-se as principais doenças veiculadas pela água e os respectivos agentes etiológicos.

Quadro 1.  Doenças viricas veiculadas pela água

Doença

Agente etiológico

Enterite

Coxsachie, Ecovirus e Poliovirus (1-2-3)

Faringite e rinofaringite

Adenovirus e Renovirus

Hepatite infecciosa

Vírus da hepatite A e da hepatite E

Poliomielite (rara)

Poliovirus (1-2-3)

 Quadro 2.  Doenças bacterianas veiculadas pela água

Doença

Agente etiológico

Cólera

Vibrio colerae O1 e O139

Diarreia infantil

Escherichia coli

Disenteria bacilar

Shigella

Febres tifóide e paratifóide

Salmonella typhi e paratyphi (A-B-C)

Gastrenterite

Proteus, Shigella e Salmonella

Giardíase

Giardia lamblia

Leptospirose *

Leptospira

Tularémia (rara)

Pasteurella turalensis

* doença adquirida por contacto (pele/mucosas)

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Quadro 3.  Doenças parasitárias veiculadas pela água - por ingestão

Doença

Agente etiológico

Abcesso hepático amebiano

Entamoeba histolitica (protozoário)

Ascaridíase *

Ascaris lumbricoides (helminta)

Disenteria amebiana

Entamoeba histolitica (protozoário)

Dracunculose (dracontíase)

Dracunculus medinensis (verme da Guiné - nemátodo)

Tricuríase (tricocefalíase) *

Trichuris trichiura (nemátodo)

Fasciolíase

Fasciola hepatica (tremátodo)

* a transmissão por partículas de terra é mais frequente

 Quadro 4.  Doenças parasitárias veiculadas pela água - por contacto

Doença

Agente etiológico

Ancilostomíase

Necator americanus e Ancylostoma duodenale (nemátodo)

Chistosomíase (bilharsiose)

Schistosoma (mansoni, haematobium e japonicum - tremátodo)

Estrongiloidose *

Stronggyloides percolaris

Prurido dos nadadores

Schistosoma (de aves e roedores - tremátodo)

* a transmissão por contacto com o solo é mais frequente

 Quadro 5.  Doenças transmitidas por vectores (com reprodução na água)

Doença

Agente etiológico

Vector

Febre amarela

Arbovirus B (vírus)

Mosquito (Aedes e Haemagogus)

Filariose

Wuchereria brancofti (helminta)

Mosquito (diversas espécies)

Malária

Plasmodium (protozoário)

Mosquito (Anopheles)

Oncocercose

Onchocercavolvulus (helminta)

Mosquito (Simulium)

Tripanosomíase

Trypanosoma (protozoário)

Mosca (Tsé-Tsé Glossina)

Os aspectos anteriores permitem concluir que a água utilizada com fins domésticos deve ser saudável, ou seja, isenta de riscos para a saúde ("água potável"). Para ser saudável, a água não pode conter agentes biológicos patogénicos, substâncias tóxicas, nem quantidades excessivas de substâncias orgânicas e minerais. Pelo contrário, ela deve ser límpida e incolor, e não deve apresentar sabor ou odor desagradável; se possível, deve ser insípida e inodora. A água potável deve preencher, portanto, certos requisitos físicos, químicos e bacteriológicos ("requisitos de potabilidade").

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Requisitos de Potabilidade

Qualidade Físico-Química. As impurezas físicas da água estão relacionadas com a sua cor, turvação, sabor, odor e temperatura. As impurezas químicas resultam da presença de substâncias dissolvidas e estão relacionadas com a dureza, alcalinidade, salinidade e agressividade da água. Uma água potável para consumo humano não deve ser turva nem apresentar coloração. Contudo, as águas brutas subterrâneas apresentam por vezes turvação e coloração, as quais só podem ser modificadas por processos específicos de tratamento. A água potável também não deve apresentar odores ou sabor desagradáveis, pois indicam a presença de microrganismos e substâncias químicas, e a sua alteração pertence ao domínio do tratamento da água. Como se referiu no parágrafo anterior, considerando as características organolépticas, a água potável deve ser límpida, incolor e não deve apresentar sabor ou odor desagradável. No quadro seguinte apresentam-se os parâmetros químicos que permitem classificar uma água como potável.

Quadro 6.  Parâmetros químicos de uma água potável

Parâmetro

Valor Máximo Recomendado

Valor Máximo Admissível

Substâncias que produzem coloração

5 U (colorimetria Pt-Co)

50 U (colorimetria Pt-Co)

Matérias em suspensão

5 U (turbidometria)

25 U (turbidometria)

Sólidos totais

500 mg/l

1500 mg/l

pH

7,0-8,5

6,5-9,2

Oleos minerais

0,01 mg/l

0,30 mg/l

Compostos fenólicos

0,001 mg/l

0,002 mg/l

Dureza total

2 mEq/l (100 mg/l CaCO3)

10 mEq/l (500 mg/l CaCO3)

Cálcio

75 mg/l

200 mg/l

Cloretos

200 mg/l

600 mg/l

Ferro total

0,1 mg/l

1,0 mg/l

Fluoretos

0,6 mg/l

1,2 mg/l

Magnésio

30 mg/l

150 mg/l

Manganês (manganésio)

0,05 mg/l

0,5 mg/l

Sulfatos

200 mg/l

400 mg/l

Zinco

5 mg/l

15 mg/l

Arsénio

--

0,05 mg/l

Cádmio

--

0,01 mg/l

Chumbo

--

0,1 mg/l

Cianetos

--

0,05 mg/l

Mercúrio total

--

0,001 mg/l

Nitratos

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45 mg/l

Selénio

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0,01 mg/l

 

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Qualidade Bacteriológica. A água contaminada por dejectos pode transmitir doenças gastrintestinais. Os agentes destas doenças são contudo relativamente pouco numerosos, quando comparados com a imensidão de microrganismos existentes no intestino humano. Devido à grande variedade de microrganismos, não é possível pesquisar individualmente a sua presença na água. Assim, a sua qualidade bacteriológica não se avalia directamente, mas sim através da pesquisa de «microrganismos indicadores» de poluição/contaminação, como as bactérias coliformes fecais, que habitam o intestino humano. Os coliformes, geralmente não patogénicos, existem em grande quantidade nas fezes e a sua presença na água indica que a mesma foi contaminada por dejectos de origem humana ou animal, sendo provável a existência de outros microrganismos intestinais patogénicos.

No início dos sistemas da rede pública de abastecimento, se a água for desinfectada (com cloro ou outro produto) não deve conter organismos coliformes (numa amostra de 100 ml). Se a água não for desinfectada, não deverão existir mais que 3 (três) coliformes por mililitro. Embora a presença de coliformes não seja tolerada numa rede pública de abastecimento, os critérios de qualidade bacteriológica recomendados para classificar uma água potável são os seguintes:

Nos sistemas de abastecimento rurais, ou sem rede pública de abastecimento, como, por exemplo, poços privados, minas e fontanários, não devem existir mais que 10 (dez) coliformes por amostra de 100 ml de água. No caso contrário, e sobretudo se for encontrada Escherichia coli, o consumo de água deve ser interditado.

Quantidade de Água — Necessidades

Além do aspecto qualitativo, é indispensável que o homem disponha de água em quantidade suficiente para a satisfação de necessidades elementares. A escassez ou falta de água pode originar problemas graves de saúde, além de implicações a nível da salubridade ambiental, dos alimentos e da própria higiene individual. Em termos de consumo, as necessidades humanas em água dependem de vários factores como os hábitos, o poder de aquisição/compra, o nível de educação, as características climáticas, o meio onde reside (urbano, rural) e o sistema de abastecimento. Para o uso doméstico - bebida, cozinha, higiene corporal, lavagem de roupa, instalações sanitárias etc. - o consumo diário médio de água está estimado em 80 litros por pessoa. De um modo geral, os responsáveis pelo planeamento do abastecimento de água através de sistemas públicos, programam as necessidades de consumo diário por habitante (média), considerando também o consumo no âmbito da higiene ambiental, nos seguintes intervalos: 100-150 litros para as cidades pequenas, e 200-500 litros para os grandes centros urbanos.

Fontes de Água Potável

Na escolha das fontes/origens para abastecimento de água potável devem considerar-se determinados aspectos, como a salubridade, a quantidade, a regularidade e a economia. Naturalmente que uma água que não necessita de tratamento prévio ao consumo, deve ser prioritária relativamente a outra que necessite de tratamento para satisfazer os requisitos de salubridade. Também uma fonte capaz de fornecer continuamente a quantidade de água necessária para abastecimento, deve prevalecer sobre uma fonte de débito irregular ou instável. Na mesma linha de raciocínio, e considerando que os aspectos de salubridade, regularidade e quantidade são idênticos, uma fonte de exploração mais dispendiosa deve ser preterida em relação a uma exploração mais económica. A ordem de prioridades na selecção de uma fonte/origem para abastecimento de água potável, deve ser a seguinte:

Os tratamentos simples referidos nas duas últimas hipóteses anteriores, limitam-se aos seguintes processos, isoladamente ou em combinação:

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Categorias de Fontes/Origens de Água Potável

A água utilizada em diferentes sistemas de abastecimento pode ser dividida em duas grandes categorias:

Enquanto que as águas subterrâneas podem ser captadas através de poços, bacias de captação, minas ou galerias de infiltração, as águas superficiais são geralmente recolhidas e acumuladas em cisternas e reservatórios (sobretudo para a água da chuva), barragens e represas (para a água dos rios e outras águas superficiais).

Águas Subterrâneas. Estas águas são constituídas por uma parte da precipitação atmosférica, sobretudo por água da chuva, que se infiltra no solo e forma lençóis subterrâneos denominados «formações aquíferas». Existem (a) «formações aquíferas não cativas», quando os lençóis se situam entre uma camada impermeável (rochosa), por baixo, e um terreno permeável, por cima, e (b) «formações aquíferas cativas» ou «lençóis artesianos», quando os lençóis de água se situam entre duas camadas impermeáveis; neste último caso, os poços existentes denominam-se «poços artesianos». A superfície de um lençol subterrâneo, denominada "superfície livre", está sujeita às flutuações do nível de água, que depende sobretudo da frequência de períodos de seca (diminuição) e de chuva (aumento).

A pesquisa de águas subterrâneas faz-se habitualmente através de (1) estudos geológicos, (2) exame dos poços já existentes, em termos de perfil, débito, situação e qualidade da água, e (3) sondagens ou furos, que permitem recolher amostras e conhecer o perfil do terreno, de modo a analisar a profundidade da formação aquífera e a qualidade da água. Os furos ou sondagens, por vezes transformam-se em poços permanentes.

Águas Superficiais. Estas águas são provenientes, sobretudo, da chuva e a sua recolha, aprovisionamento e captação pode ser feita através de cisternas, reservatórios, represas, albufeiras e barragens. As águas superficiais podem, por vezes, ser consumidas no seu estado natural, mas geralmente estão contaminadas ou poluídas necessitando de tratamento prévio. A utilização da água do mar como fonte de abastecimento de água potável é possível, embora se pratique em escala muito reduzida (alguns países árabes). Os dois processos principais de "dessalinização" da água do mar são a (1) evaporação e condensação, utilizando a energia solar ou carburantes, e a (2) electrólise; estes processos são muito dispendiosos e necessitam de investimentos avultados, no que se refere à sua construção e manutenção. Os rios, lagos, barragens e represas constituem, geralmente, a principal fonte dos sistemas públicos de abastecimento de água.

Sistemas de Abastecimento de Água

O abastecimento de água pode ser feito através de (a) soluções individuais ou particulares, mais frequentes em zonas rurais, (b) sistemas semi-públicos e (c) sistemas públicos.

As soluções individuais mais utilizadas são (1) a recolha directa em rios, lagos, represas, fontes, etc., (2) a acumulação de água da chuva em cisternas, e (3) a captação a partir de poços e minas.

Recolha Directa em Rios, Lagos, Represas e Fontes

Este tipo de abastecimento é mais usado em áreas rurais e áreas suburbanas sem sistema público de abastecimento, e a recolha de água é feita (a) manualmente, em vasilhames (potes, bilhas, latas) transportados para as habitações, ou (b) utilizando sistemas de bombagem. De modo a garantir-se uma qualidade satisfatória da água, devem adoptar-se os seguintes cuidados:

- isolar o local de recolha, para evitar o acesso indiscriminado de pessoas e animais;

- não utilizar o local para outros fins, como banho, lavagem de roupa ou de animais;

- não construir fossas nas proximidades,

- não permitir o lançamento e deposição de resíduos sólidos ou líquidos, no manancial e nas suas proximidades;

- efectuar o "tratamento caseiro da água", como a filtração, a fervura e a desinfecção.

Na figura seguinte apresenta-se dois modelos possíveis de fontes/nascentes devidamente protegidas, que podem ser usadas como recurso de abastecimento individual ou colectivo. Preconizam-se os cuidados de higiene acabados de referir, bem como as medidas de segurança aplicáveis descritas adiante para o caso de poços, sendo ainda aconselhável a instalação de vedação adequada num diâmetro de 50 metros em redor da fonte, de modo a impedir a entrada e circulação de pessoas, que só deve acontecer para efeitos de limpeza da estrutura.

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Recolha e Acumulação da Água da Chuva - Cisternas

Este tipo de abastecimento é mais usado em regiões onde há escassez de água, onde a água subterrânea não é acessível ou é imprópria para consumo humano. Constroem-se as cisternas para armazenar a água recolhida da superfície dos telhados dos edifícios durante os períodos chuvosos, com o objectivo de a consumir durante os períodos de seca.

Na estimação da capacidade de uma cisterna (em pedra, tijolo ou betão), deve considerar-se (a) a pluviosidade média anual, (b) a área da superfície colectora e (c) as necessidades de consumo. Para o cálculo da capacidade de uma cisterna, pode considerar-se um consumo de 10 litros por pessoa, por dia, sendo 2 litros para ingestão e os restantes para consumo doméstico e outras aplicações. Assim, para uma família de quatro pessoas e para o período de um ano, o volume da cisterna deve ser de   V = 4 x 10 x 365 = 14.600 litros , ou seja, é necessária uma cisterna com cerca de 15 m3 de capacidade. Para se ter uma ideia da quantidade de água colectada a partir da superfície dos telhados, podem aplicar-se as seguintes considerações e cálculos: se área do telhado for de 40 m2, a pluviosidade anual de 500 mm (regiões secas: 500-750 mm) e o coeficiente de aproveitamento da água de 0,75 (perdas por evaporação e limpeza: ±25%), a quantidade de água que se pode recolher num ano será de   Q = 40 x 0,50 x 0,75 = 15 m3 .

Observa-se assim, que um telhado pequeno, com 40 m2, é suficiente para recolher a água necessária para uma família de quatro pessoas, durante um ano, numa região com escassez de água. Em regiões de maior pluviosidade, o volume recolhido será maior. A construção de cisternas é portanto uma solução viável para o abastecimento de água em regiões áridas e semi-áridas. Em pequenos aglomerados populacionais, podem instalar-se cisternas maiores para utilização comunitária. Para se garantir uma qualidade satisfatória da água proveniente de cisternas, devem adoptar-se os seguintes cuidados:

- não recolher a água das precipitações iniciais, pois contêm impurezas residuais dos telhados, devendo instalar-se um dispositivo adequado para desviar as águas das primeiras chuvas;

- a cisterna deve ser em material opaco e manter-se sempre fechada, para evitar a entrada de poeiras, detritos e insectos, e evitar a entrada de luminosidade, de modo a que não exista proliferação de algas;

- a limpeza e desinfecção da cisterna deve ser efectuada uma vez por ano (pelo menos);

- no interior da cisterna não devem existir ângulos ou esquinas, devendo os cantos serem arredondados para facilitar a sua limpeza e desinfecção;

- não devem ser utilizados baldes ou outros recipientes para retirar água do interior das cisternas (pois são veículos de contaminação e poluição), devendo ser instalado um sistema simples de canalizações e/ou uma torneira no seu nível inferior, para a saída de água (incluindo a água residual dos processos de limpeza e desinfecção);

- devem ser adicionados produtos desinfectantes à água, à base de cloro ou outros;

- como complemento das medidas preventivas anteriores, deve-se efectuar ainda o "tratamento caseiro da água", como a filtração, a fervura e a desinfecção.

Nas figuras seguintes apresentam-se dois modelos possíveis de cisternas.

Captação de Água em Poços e Furos

A obtenção de água por este processo é mais frequente em zonas rurais e suburbanas não servidas pelo sistema público. Os poços podem classificar-se em (a) poços vulgares, escavados manualmente, (b) poços escavados mecanicamente, com escavadora ou através de injecção de água, e (c) poços perfurados, que podem subdividir-se em poços tubulares e furos. Enquanto que os poços vulgares e escavados mecanicamente são geralmente "rasos", os poços perfurados podem ser "rasos" (tubulares) ou "profundos" (furos). Para se garantir a qualidade da água de poços e furos, devem considerar-se os seguintes aspectos:

- poços e furos devem situar-se a uma distância mínima de 30 metros, de fontes potenciais de contaminação ou poluição, como sumidouros e valas de infiltração;

- a parte superior de poços e furos deve encontrar-se a um nível mais elevado que as fontes de contaminação e poluição que eventualmente existam nas proximidades;

- poços e furos devem ser cobertos com uma plataforma de betão com, pelo menos, um metro de largura, a qual deve apresentar um ligeiro declive para uma valeta, de modo a efectuar-se a drenagem de águas superficiais;

- na plataforma de betão dos poços e furos, a passagem dos tubos de aspiração deve ser bem estanque, para impedir a penetração de águas superficiais;

- na plataforma dos poços, a abertura de visita (para tarefas de inspecção, reparação e limpeza) deve apresentar uma saliência de, pelo menos, 8 centímetros de altura, e ter tampa impermeável;

- a parede interior dos poços deve ser protegida com um revestimento impermeável até, pelo menos, 3 metros abaixo e 30 centímetros acima do nível do solo;

- os poços devem ser sempre limpos e desinfectados após a sua construção ou reparação: (1º) lava-se com água as paredes interiores, (2º) seguindo-se a limpeza com uma solução clorada concentrada (100 mg/l de teor de cloro activo), (3º) efectua-se a cloragem da água, de modo que o seu teor em cloro atinja os 50 mg/l, (4º) agita-se e deixa-se repousar a água cerca de 12 horas, (5º) esvazia-se a água do poço, (6º) aguarda-se o seu enchimento de novo, e (7º) quando o teor de cloro residual descer para menos de 1 mg/l a água pode ser consumida;

- a retirada de água do interior dos poços não deve ser efectuada com vasilhame, mas através de bombagem manual ou mecânica. Quando a bombagem não for possível, pode utilizar-se um sistema de roldana com manivela, devendo adoptar-se cuidados especiais de higiene e limpeza para evitar a contaminação do balde ou da corda.

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Sistema Público de Abastecimento

É o processo adequado de abastecimento de água à comunidade, principalmente nas zonas urbanas e suburbanas, devendo preencher todos os requisitos de potabilidade da água. De um modo geral, um sistema público de abastecimento é constituído pelos seguintes elementos/processos:

— Equipamento de captação, situado em poços, galerias de infiltração, nascentes, rios, lagos, albufeiras, represas, barragens, etc., para recolha de água bruta;

— Condutas de adução, para transporte da água bruta, dos locais de captação às estações de tratamento;

— Estação de tratamento, cujas dimensões e complexidade depende da dimensão da população a servir e das características da água a tratar;

 — Equipamento para bombagem da água entre a estação de tratamento e um ou mais reservatórios;

— Reservatórios em locais estratégicos, para que a água chegue ao consumidor com a pressão desejável. Os reservatórios também permitem acumular água com o objectivo de dar resposta a situações de emergência, ou atenuar eventuais défices de débito nos períodos de grande consumo;

— Rede de distribuição, constituída por vários tipos de condutas e canalizações que terminam nos locais de consumo.

O tratamento da água tem como finalidade reduzir as impurezas existentes nas água bruta tornando-a potável. Dependendo da qualidade da água no manancial, o tratamento pode ser mais ou menos complexo. Numa estação de tratamento convencional (ETA), a água pode ser tratada pelos seguintes processos:

- arejamento (ou oxidação), que consiste em aumentar o contacto da água com o ar, com o objectivo de eliminar gases (como o anidrido carbónico) e substâncias voláteis indesejáveis, precipitar o ferro e o manganês, e oxidar alguns compostos orgânicos que dão gosto e sabor à agua;

- mistura rápida, em que a água passa por um processo de agitação artificial intensa e recebe produtos coagulantes, como o sulfato de alumínio, com a finalidade de agregar as impurezas leves, que não sedimentam naturalmente;

- floculação (ou coagulação), em que a água, após a adição de coagulantes, passa por câmaras de floculação onde são ligeiramente agitadas para facilitar a aderência das impurezas (microrganismos, etc.) ao coagulante, formando flocos (ou coágulos) facilmente sedimentáveis;

- decantação (ou sedimentação), que ocorre em tanques decantadores, onde se verifica a sedimentação dos flocos formados na fase anterior;

- filtração, que consiste em fazer passar a água por um leito filtrante constituído por saibro, areia com granulometria variável, ou outras matérias porosas, com o objectivo de reter microrganismos e impurezas que passaram os decantadores. O processo de filtração pode ser lento, por acção da gravidade, ou rápido, se efectuado sob pressão;

- desinfecção, tem como finalidade a eliminação dos microrganismos ainda existentes, e efectua-se através da adição produtos químicos desinfectantes, geralmente cloro por ser o processo mais prático e económico. Por esta razão, o processo de desinfecção é também denominado "cloragem", e os produtos mais utilizados são os hipocloritos de cálcio (Ca O2Cl2) ou de sódio (Na OCl). O doseamento do desinfectante faz-se através de clorímetros e, de um modo geral, o teor da solução base não deve exceder o limite de solubilidade do cloro à temperatura ambiente, cerca de 0,65 gramas por 100 gramas de água.

Nota: além do coagulante e do desinfectante, podem ser adicionados produtos para correcção do pH, e flúor (no âmbito da prevenção da cárie dentária).

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Tratamento doméstico da água

Existem alguns métodos de purificação e desinfecção da água que podem ser aplicados no domicílio, quando houver suspeita de contaminação da água da rede pública, ou quando a água de consumo provier dos sistemas individuais de abastecimento referidos anteriormente (recolha em rios, cisternas, poços, etc.).

Os principais processos de tratamento doméstico da água são a ebulição (fervura), a desinfecção química (iodo, cloro e seus derivados) e a filtração.

Ebulição - A fervura da água a 100º centígrados, durante 20 minutos, é um processo de desinfecção simples de executar e eficaz, pois extermina a totalidade dos microrganismos. Como a ebulição origina a libertação dos gases dissolvidos, podendo tornar a água um pouco desagradável ao paladar, recomenda-se o seu arejamento, passando-a de um recipiente limpo para outro.

Desinfecção química - Os produtos mais utilizados são o iodo (solução e comprimidos) e os derivados do cloro (solução, pó, grânulos e comprimidos). A tintura de iodo a 2-8% é um bom desinfectante; duas gotas de tintura a 2% são suficientes para desinfectar um litro de água (4 gotas a 8% se a água estiver muito poluída), a qual deve ficar em repouso 30 minutos, pelo menos, antes de ser ingerida. No mercado também existem comprimidos de compostos iodados, preparados especificamente para a desinfecção da água de consumo. Como se referiu antes, o cloro e seus derivados são desinfectantes eficazes e fáceis de aplicar. O hipoclorito de cálcio concentrado (70% de cloro), sob a forma de grânulos, embora sendo um produto estável, não deve ser exposto à luz solar nem à humidade. A solução do mesmo químico a 1% (lixívia ou água de Javel) também é eficaz como desinfectante e muito fácil de aplicar; três gotas de uma solução de hipoclorito de sódio a 1% são suficientes para desinfectar um litro de água, a qual deve ficar em repouso cerca de 30 minutos, antes de ser ingerida. No mercado existem comprimidos de cloro, para desinfecção da água de consumo (com dosagem recomendada na bula que acompanha as embalagens).

Filtração - É utilizada sobretudo para retenção de impurezas, devendo, portanto, ser o primeiro processo caseiro de tratamento da água. A sua capacidade de retenção de microrganismos é limitada e depende do tipo de filtro usado. No mercado existe uma grande variedade de filtros domésticos, de cerâmica porosa (filtros de vela), de carvão vegetal, e de areia ou saibro, este último menos eficaz na retenção de microrganismos.

Controlo da Qualidade da Água

As características organolépticas da água não são suficientes para garantir a sua potabilidade. Assim, a água deve ser submetida a análises laboratoriais periódicas, com a finalidade de (a) determinar as suas características no estado bruto, para decidir a necessidade e tipo de tratamento, e (b) controlar a eficácia do tratamento e as características de potabilidade da água.

Considerando a água de consumo, as análises a efectuar são: (a) físicas, para determinar a temperatura, o gosto, o odor, a cor e a turvação, (b) químicas, para estimar a quantidade de substâncias químicas presentes, que podem ser perigosas para a saúde ou servir de indicadores de poluição, (c) bacteriológicas, para determinar o número total de bactérias, incluindo as bactérias de origem intestinal, e (d) microscópicas, para determinar as fontes prováveis de gostos e odores, bem como os efeitos dos microrganismos no processo de purificação.

A análise das características físicas e químicas deve ser efectuada trimestralmente, se a população servida pelo sistema for superior a 50.000 habitantes, ou duas vezes por ano, se a população for inferior. Nos quadros seguintes apresenta-se a periodicidade recomendável na avaliação das características bacteriológicas da água, consoante esta foi ou não tratada antes de entrar no circuito de distribuição; para a água desinfectada deve-se efectuar ainda o controlo, várias vezes por dia, da concentração de desinfectante químico, tanto na estação de tratamento como em diferentes pontos da rede de distribuição.

Quadro 7.  Periodicidade do exame bacteriológico da água não desinfectada.

População servida

(número total de habitantes)

Intervalo máximo

(entre duas análises consecutivas)

< 20.000

1 mês

20.000 - 50.000

 2 semanas

50.000 - 100.000

4 dias

> 100.000

1 dia

 Quadro 8.  Periodicidade do exame bacteriológico da água desinfectada.

População servida

(número total de habitantes)

Intervalo máximo

(entre duas análises consecutivas)

Número mínimo de amostras

(nº amostras / nº habitantes por período)

< 20.000

1 mês

1 / 5.000 por mês

20.000 - 50.000

2 semanas

1 / 5.000 por mês

50.000 - 100.000

4 dias

1 / 5.000 por mês

> 100.000

1 dia

1 / 10.000 por mês

 

1.

2.

2.1

2.2

2.3

3.

3.1

4.

4.1

4.2

4.3

4.4

4.5

4.6

* Prelecção

Tipo: sessão teórica

Módulo: Saneamento

Disciplina: Enfermagem em Saúde Comunitária III

Curso: Licenciatura em Enfermagem na Comunidade

Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica Portuguesa, Braga

Fernando Costa Silva © Portal de Saúde Pública, 2005