Toxicodependências

Alguns Conceitos Técnicos Importantes Sobre Drogas

Como se depreende pela complexidade de factores que modelam o consumo e a perigosidade de uma droga, é possível consumir algumas delas sem que o consumidor se torne dependente. Este "uso sem abuso" caracteriza-se por ser feito em determinadas situações ocasionais, geralmente ritualizadas pela cultura (ex.: um copo de vinho à refeição, ou uma taça de champanhe durante uma comemoração) e por os indivíduos saberem quando devem parar para evitar os efeitos negativos do abuso (ex.: não beber demasiado para evitar a ressaca, ou porque a seguir há que conduzir...). No entanto, isto só é possível para drogas que não dão grave dependência quando consumidas em pequenas quantidades.

As drogas com grande capacidade de provocar dependência não permitem uma diferenciação fácil do limite entre o uso e o abuso, constituindo uns poucos consumos um grande risco de cair no abuso compulsivo (ex.: heroína ou o crack).

Apesar de tudo, em determinadas circunstâncias, qualquer droga, mesmo as consideradas pouco perigosas quando consumidas moderadamente, podem ter efeitos muito negativos, nomeadamente na condução de veículos, efeitos sobre o feto durante a gravidez (ex.: o tabaco, cannabinóides e álcool), etc.

Para perceber a interacção entre a droga e o consumidor há que distinguir vários conceitos como o da intoxicação, dependência, tolerância e síndroma de abstinência, tal como se segue.

1. Intoxicação Aguda ou Sobredosagem

A intoxicação aguda refere-se aos efeitos agudos perigosos que o consumo excessivo de uma droga podem causar no organismo. Todas as drogas têm efeitos tóxicos quando são consumidas de forma excessiva especialmente se são administradas de forma oral ou endovenosa: é o caso do "inocente" café (pode provocar a intoxicação cafeinica), o álcool (a embriaguez), a heroína ou as benzodiazepinas que são utilizadas como forma de suicídio quando ingeridas em excesso.

Algumas drogas, como o tabaco e os canabinóides, sendo pouco tóxicas e administradas de forma inalatória, tem menor possibilidade de provocar intoxicação aguda grave, porque o consumidor não consegue continuar o consumo até ao limite. Isto significa que as sobredosagens são mais prováveis quando a droga é injectada ou ingerida, embora algumas possam também pela simples inalação (ex.: o crack) provocar sobredosagens fatais.

2. Dependência e Tolerância

A grande força e o grande problema da droga é tão só a sua capacidade para fazer do toxicodependente um seu escravo. A isto se chama "dependência", ou seja, a necessidade incontrolável de continuar o seu consumo depois da fase inicial, em que o consumidor pode ainda refrear sem sofrimento o consumo.

No filme "O meu tio da América" é apresentada uma experiência de laboratório, em que implantam eléctrodos no cérebro dum pequeno ratinho para estimular o centro cerebral do prazer. O ratinho aprende que tem de fazer rodar uma roda para produzir electricidade que lhe irá estimular o prazer. Verifica-se que, passado algum tempo, o ratinho não faz outra coisa senão dar à roda ininterruptamente, deixando de comer e beber até ao triste fim da sua morte.

A dependência da droga em seres humanos segue o mesmo caminho, levando muitos aos comportamentos irracionais deste ratinho, terminando também em alguns casos (depende da gravidade da droga e da ajuda terapêutica que recebe) na morte. No entanto, desgraçadamente para o toxicodependente, a droga embora dê prazer numa fase inicial (que pode ser curta ou durar anos, segundo o tipo de droga) tem uma fase final em que já não dá prazer, embora continue a compelir ao consumo para não sofrer o chamado síndrome de abstinência. Este síndrome ocorre quando o "dependente" por qualquer razão não tem acesso à droga a que já está habituado.

Consoante estes sintomas de abstinência são de ordem física ou psíquica, assim se classifica a dependência da droga como sendo física ou psíquica.

A dependência física é geralmente mais grave, mas a dependência psicológica pode ser igualmente terrível: a heroína é uma droga que por excelência ocasiona uma grande dependência física (síndrome de abstinência caracteriza-se desde "ranho" líquido no nariz até calafrios e convulsões, etc.), enquanto a cocaína provoca essencialmente uma grande dependência psicológica (a abstinência caracteriza-se por grave depressão psicológica).

Felizmente, na maioria dos casos de consumos ocasionais de drogas a dependência não se estabelece, ou porque a droga em causa provoca pouca dependência (ex.: cannabinóides, tabaco, cafeína) ou por o consumo ser, por motivos culturais, apenas ocasional (ex.: álcool) mas, quando os consumos se tornam excessivos e regulares, geralmente só se logra resolver a dependência com um tratamento longo e especializado.

O controlo individual do consumo das drogas está fortemente associado à cultura em que nos inserimos. Em todos os casos de consumo cultural de uma droga, cada povo sabe quais os limites a que deve obedecer, restringindo o consumo a determinadas circunstâncias, conhecendo bem quais são os efeitos desagradáveis da droga e como evitá-los, não abusando do seu consumo. Quando introduzimos de novo uma droga numa cultura que não tem os "travões" e a sabedoria necessária para lidar com ela, sucede o descalabro social...

Evidentemente, algumas drogas têm um poder de criar dependência tão elevado que não admitem qualquer possibilidade de controlo cultural quando são introduzidas, sendo este o caso da heroína.

Outro fenómeno importante a conhecer relativamente às drogas é a capacidade de muitas delas (mas não todas), quando o consumo continua de forma regular, desenvolverem tolerância, que consiste no facto de paulatinamente se requerer uma dose cada vez maior, para alcançar os mesmos efeitos: é por isso que alguns heroinodependentes começam por fumar heroína e posteriormente, para obter o mesmo efeito, ou consomem mais heroína fumada, ou iniciam a administração endovenosa para "bater mais forte". Isto também sucede com as vulgares benzodiazepinas (medicamentos para os "nervos") e as outras drogas.

António Paula Brito de Pina © Portal de Saúde Pública, 2000