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Gripe das Aves

Prevenção e Controlo da Infecção pelo Vírus Influenza A(H5N1)

Preâmbulo

O síndroma originado pelos vírus influenza foi referido pela primeira vez por Hipócrates, no ano 412 AC, e a primeira descrição completa de uma pandemia gripal data de 1580 (Era Cristã); desde então ocorreram mais de 30 pandemias causadas por diferentes tipos de vírus influenza. No século XX houve três grandes pandemias, todas originadas e transmitidas por animais (suínos em 1918 e aves em 1957 e 1968). A mais devastadora foi a "gripe espanhola", devida ao vírus Influenzae A(H1N1), que matou entre 30 e 40 milhões de pessoas entre 1918 e 1920. As pandemias de 1957 (gripe asiática) e de 1968 (gripe de Hong Kong) mataram mais de 4 milhões de pessoas, sobretudo crianças e idosos; a primeira foi devida ao subtipo A(H2N2) e a segunda aos subtipos A(H3N2) e A(H1N1).

Conhecem-se actualmente três tipos diferentes de vírus influenza: A, B e C. O tipo A subdivide-se ainda em vários subtipos, sendo os subtipos H1N1, H2N2 e H3N2, responsáveis por grandes epidemias e pandemias. O tipo B também tem originado epidemias mais ou menos extensas e o tipo C está geralmente associado a casos esporádicos e surtos localizados.

Os tipos A e B circulam continuamente em populações humanas e sofrem mutações frequentes. Em relação ao tipo A, podem surgir subtipos completamente novos ("shift" antigénico), responsáveis por epidemias e pandemias mais ou menos extensas (vulnerabilidade global das populações, devida a inexistência de exposição anterior ao vírus). Estes "shifts" antigénicos, ocorrem irregularmente e resultam da recombinação imprevisível entre antigénios humanos e animais (suínos ou aves, sobretudo patos/gansos). As alterações antigénicas "minor" ("drift" antigénico) são frequentes nos tipos A e B, e são responsáveis pelas epidemias periódicas, geralmente anuais, que ocorrem em inúmeros países e regiões dos cinco continentes. As adaptações anuais às vacinas anti-influenza efectuam-se com base nestes "drift" antigénicos.

Em Maio de 1997, o vírus Influenzae A(H5N1) foi isolado pela primeira vez em humanos, numa criança de Hong Kong que faleceu com o Síndroma de Reye – o Síndroma de Reye, envolvendo o sistema nervoso central e o fígado, é uma complicação rara em crianças e está associada à ingestão de salicilatos (p.e. aspirina), sendo mais frequente em crianças com Influenzae B e menos frequente nos casos de Influenzae A.

Antes deste acontecimento, só se tinha conhecimento da ocorrência do vírus Influenzae A(H5N1) em diferentes espécies de aves (daqui a designação de "gripe das aves"), incluindo galinhas e patos/gansos, sabendo-se ainda que a maior parte das galinhas infectadas morriam num curto espaço de tempo, e que patos/gansos eram os principais reservatórios do vírus. O subtipo H5N1 foi isolado pela primeira vez em estorninhos, em 1961, na África do Sul.

Durante a primavera de 1997, foi detectado em Hong Kong um elevado número de galinhas doentes com "gripe das aves" e subsequentemente foram diagnosticados 18 casos de infecção pelo H5N1 em pessoas residentes no Território, 6 dos quais foram fatais (taxa de letalidade: 33%). Estudos iniciados durante o surto de Hong Kong, comprovaram posteriormente a transmissão animal-homem (aves vivas → homem) e a inexistência de risco de infecção através do contacto ou consumo de carnes frescas ou congeladas dos animais. Contudo, ainda não foi possível excluir-se a possibilidade de transmissão homem-homem.

 

As estratégias seguintes são parte integrante do «Plano Estratégico de Prevenção e Controlo da Infecção pelo Vírus Influenza A(H5N1)», elaborado pela Unidade Técnica de Vigilância Epidemiológica dos Serviços de Saúde de Macau. No âmbito do mesmo plano, foi criado um grupo de trabalho responsável pela implementação e coordenação de todas as actividades necessárias à prevenção, contenção e controlo de um eventual surto em Macau, dada a grande proximidade com a República Popular da China e Hong Kong.

Em 1997 e 1998 não se verificou a ocorrência de qualquer caso ‘provável’ ou ‘confirmado’ de infecção pelo vírus Influenzae A(H5N1). Para efeitos de vigilância epidemiológica, foram consideradas as seguintes definições:

  • Casos suspeitos: todos os casos que apresentaram sinais e sintomas sugestivos, após exclusão de infecção pelo vírus do tipo B, mas com história sugestiva de contactos com o vírus H5N1 (p.e. aves e/ou pessoas com doença provável ou confirmada) e/ou viagens para locais onde a doença ocorria;

  • Casos prováveis: todos os casos que apresentaram sinais e sintomas sugestivos, mas com evidência laboratorial preliminar do vírus A(H5N1), por exemplo através da positividade de um teste rápido específico (kit distribuído pela OMS);

  • Casos confirmados: todos os casos confirmados laboratorialmente, por isolamento do vírus A(H5N1) ou por teste de neutralização (realizável em Hong Kong).

Estratégias

1. Vigilância e controlo dos animais que entram no Território (importados e "ilegais"):

1.1. Autorizar somente a importação de animais provenientes de locais que ofereçam "garantia de ausência de doença", nomeadamente através da apresentação de certificados emitidos pela Autoridade Sanitária veterinária do país de origem — início imediato

1.2. Interdição à entrada no Território de animais transportados por indivíduos particulares (nenhum animal deve entrar em Macau sem o cumprimento do determinado nos pontos 1.1 e 1.3), devendo esta acção ser efectivada através de elementos da entidade que controla os postos de fronteira (incluindo as Portas do Cerco e todas as pontes-cais) — início imediato

1.3. Vigilância sanitária activa de todas as aves nos postos de fronteira (incluindo portos de descarga de mercadorias):

1.3.1. rastreio sistemático de sinais clínicos compatíveis com a infecção pelo vírus H5N1 (exsudado nasal sero-sanguinolento, cianose de cristas e "afins", palidez das patas, etc.), a efectuar por médico veterinário ou técnico competente — início imediato

1.3.2. rastreio aleatório por conglomerados de animais, para diagnóstico laboratorial do vírus H5N1 ou outro (sem esquecer o facto de que presentemente existe uma pandemia de H7N4), a efectuar por técnicos veterinário e de laboratório — início imediato

2. Melhoria e vigilância das condições higio-sanitárias de todos os locais de acondicionamento, venda e abate de aves:

2.1. Limpeza e asseio permanentes de todos os locais, com acções de desinfecção periódicas (pelo menos duas vezes por dia) — início imediato

2.2. Ventilação adequada de todos os locais, com instalação, sempre que se considere necessário, de equipamentos de ventilação e extracção mecânicas, ou até de focos de emissão de raios ultravioletas (ponderar/analisar a necessidade e eficácia deste último processo) — início imediato

2.3. Cancelamento de licenças de "exploração da actividade", a efectuar pela entidade licenciadora e fiscalizadora, sempre que se verificar o não cumprimento do determinado pela legislação em vigor, ou sempre que as possíveis situações possam ser consideradas de "risco potencial para a saúde pública" — início imediato

3. Intensificação das acções de vigilância dos animais que já se encontram em lanes, aviários e outros locais de venda por grosso ou a retalho:

3.1. Monitorização da morbi-mortalidade em todos os locais, a efectuar por médico veterinário ou técnico competente — início imediato

3.2. Segregação permanente de patos, galinhas e outras aves, no refere a animais vivos e carcaças — início imediato

3.3. Rastreio sistemático de sinais clínicos compatíveis com a infecção pelo vírus H5N1 (exsudado nasal sero-sanguinolento, cianose de cristas e "afins", palidez das patas, etc.), a efectuar por médico veterinário ou técnico competente — início imediato

3.4. Rastreio aleatório de animais, para diagnóstico laboratorial do vírus, H5N1 ou outro (sem esquecer que presentemente existe uma pandemia de H7N4), a efectuar por técnicos veterinário e de laboratório — início em segunda fase, se for considerado pertinente

4. Intensificação das acções de vigilância em humanos, complementadas com acções de informação e educação para a saúde (promoção da saúde e prevenção da doença) dirigidas à população em geral e a grupos de risco:

4.1. Monitorização da morbi-mortalidade em todos os locais prestadores de cuidados de saúde, sobretudo em hospitais e centros de saúde — início imediato

4.2. Comunicação imediata de todos os casos suspeitos à Autoridade Sanitária, que deve proceder de imediato à realização de inquérito epidemiológico e notificar a Unidade Técnica de Vigilância Epidemiológica (fax: 533524; tel.: 533525) — início imediato

4.3. Instituição de tratamento atempado e adequado, a todos os casos suspeitos (procurando não confundir "constipação" e "gripe") e seus contactos, nunca se prescrevendo o ácido acetilsalicílico (aspirina e similares), principalmente quando se tratar de crianças

4.4. Internamento hospitalar sempre que ocorrerem complicações pós e per-gripais

4.5. Rastreio laboratorial de todos os casos suspeitos de infecção pelo vírus H5N1, sem esquecer que a grande probabilidade de infecção gripal em Macau e regiões limítrofes diz respeito aos vírus A(H3N2), A(H1N1) e B, e que os vírus para-influenza e sicial respiratório podem originar um quadro clínico idêntico

4.6. Reforço das acções de informação e educação da população em geral e de grupos de risco, nomeadamente manipuladores de animais e profissionais de saúde (sobretudo técnicos de laboratório, médicos e enfermeiros), no que se refere a:

4.6.1. higiene individual (p.e. lavagem frequente das mãos) e colectiva (p.e. protecção da tosse e espirro), evitando-se qualquer contacto com animais doentes

4.6.2. dieta equilibrada, exercício físico e repouso adequado, de modo a manterem-se as defesas imunológicas do organismo

4.6.3. ventilação adequada dos espaços, evitando-se locais com grande concentração de pessoas e sem ventilação natural

4.6.4. especial atenção aos espaços escolares (creches, escolas, etc.), casinos, centros comerciais e áreas de lazer sem ventilação natural

5. Abate selectivo de animais, por conglomerados de animais infectados, sempre que se verificar a ocorrência de infecção suspeita (sinais clínicos) ou confirmada laboratorialmente, como consequência das acções específicas desenvolvidas no âmbito das estratégias definidas nos pontos 1.3, 3.3 e 3.4

6. Abate sistemático de animais, quando se verificar que a estratégia definida no ponto anterior não é suficiente para controlar a eventual disseminação da infecção

Fernando Costa Silva © Portal de Saúde Pública, 1999