Gripe Pandémica Manual

Impacte da Pandemia de Gripe

Sumário:

1. Previsão do impacte

2. Extensão e gravidade da doença

3. Impacte na saúde

4. Impacte em outros serviços

1.  Previsão do Impacte

O impacte de uma pandemia de gripe é imprevisível, sendo impossível prever a sua data de início. Existe consenso entre os especialistas que o seu aparecimento terá consequências catastróficas, com um número muito elevado de casos de doença e de morte, e situações de rotura social e económica. O impacte será maior nos países em vias de desenvolvimento e naqueles que tiverem sistemas de saúde operacionalmente deficientes ou sobrecarregados.

Após a identificação dos primeiros casos de transmissão inter-pessoal da estirpe pandémica do vírus da gripe, a sua disseminação por todo o país ocorrerá num intervalo de tempo relativamente curto (inferior a um mês), com taxas de morbilidade e de letalidade muito superiores às da gripe sazonal (epidémica). Esta situação conduzirá, inevitavelmente, ao aumento das solicitações aos serviços prestadores de cuidados de saúde, e a outros serviços essenciais, com repercussões e alterações importantes no padrão habitual de vida de pessoas e comunidades.

2.  Extensão e Gravidade da Doença

Em todo o mundo, a mortalidade estimada pelos especialistas varia entre 50 e 150 milhões, embora as estimativas menos pessimistas do CDC apontem para um intervalo entre 2 e 7,5 milhões de mortes. O total de internamentos hospitalares pode ser superior a 28 milhões. Contudo, só após a eclosão da pandemia será possível fazerem-se estimativas mais fiáveis. O nível de preparação de todos os países na globalidade, e de cada país em particular, terá uma influência inquestionável na mortalidade.

Para efeitos de planeamento da resposta dos serviços de saúde, a OMS recomenda que os planos nacionais de contingência para a pandemia de gripe considerem uma taxa bruta de ataque [1] de 25% (valor mínimo) – na gripe sazonal a taxa habitual é de 5-10%.

Considerando alguns dos cenários possíveis, com taxas brutas de ataque de 25% (cenário mais favorável), 30% (cenário mais provável) e 35% (cenário mais pessimista), a infecção com o virus da gripe pandémica pode atingir em Portugal mais de 3,6 milhões de habitantes, e originar mais de 11 mil mortes (taxa bruta de letalidade de 0,3%).

Pandemia de Gripe – Cenários

Consequências

TBA de 25%

TBA de 30%

TBA de 35%

Total de casos de infecção

2.589.029

3.106.835

3.624.641

Procura de cuidados médicos (consultas) *

1.370.115

1.644.137

1.918.160

Total de hospitalizações **

33.186

39.823

46.460

Total de óbitos:

- Taxa bruta de letalidade de 0,3%

- Taxa bruta de letalidade de 1,0%

 

7.969

25.890

 

9.564

31.068

 

11.157

36.246

 TBA: taxa bruta de ataque    * cerca de 53% do total de casos de infecção    ** cerca de 1,3% do total de casos de infecção   

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Todos os cenários e previsões disponíveis alicerçam-se em suposições sobre a morbilidade e letalidade causadas pelo vírus pandémico. Assim, para uma taxa bruta de ataque de 15% e uma taxa bruta de letalidade de 0,3%, ocorrerão 2-3 milhões de mortes em todo o mundo; para a mesma taxa de ataque e uma taxa de letalidade de 0,6% a mortalidade global será de 5-6 milhões (previsões mais optimistas). Com uma taxa de ataque de 25% e uma letalidade de 3%, a mortalidade global rondará os 45 milhões; se a taxa de ataque atingir os 50%, mantendo-se a letalidade nos 3%, ocorrerão cerca de 100 milhões de mortes (cenários possíveis). Com a taxa de letalidade actual do vírus H5N1 (cerca de 50%) o número global de mortes poderá atingir os 1.500 milhões (previsão pessimista?).

3.  Impacte nos Serviços de Saúde (e na população)

A análise numérica dos cenários anteriores e seguintes permite antever uma pressão considerável, e sem antecedentes, sobre os serviços prestadores de cuidados de saúde, privados e estatais, originada por um acréscimo acentuado na procura (aumento do número de doentes que necessitam de assistência e tratamento), associado a uma diminuição no número de efectivos na área da saúde (absentismo dos profissionais por doença, morte, etc.).

Em Portugal, para se evitar a rotura dos serviços de saúde e garantir a racionalidade dos seus recursos humanos e materiais, será necessário que se definam prioridades no atendimento e tratamento de doentes, relegando-se para plano secundário as patologias do “foro não gripal”, médicas e cirúrgicas, crónicas ou agudas. A formação e treino adequado e atempado dos prestadores de cuidados de saúde não podem ser negligenciados, e devem considerar a pressão profissional a que estarão sujeitos e os riscos acrescidos decorrentes da sua actividade assistencial – doença, equipamentos de protecção individual, segurança e integridade física (por exemplo, em situações de altercação da ordem pública originada por rotura no aprovisionamento e fornecimento de fármacos), etc.

Nos quadros das páginas seguintes apresentam-se alguns cenários possíveis para os vinte distritos e regiões autónomas de Portugal (clicar no nome pretendido). Estes cenários foram elaborados com a aplicação informática FluAid 2.0  [2], considerando taxas brutas de ataque (TBA) de 25%, 30% e 35%, uma taxa de letalidade de 0,3%, e a população de cada distrito ou região autónoma (INE, Censo de 2001). Não se considerou o efeito da aplicação de fármacos antivirais e vacinas.

Aveiro Coimbra Lisboa Viana do Castelo
Beja Évora Portalegre Vila Real
Braga Faro Porto Viseu
Bragança Guarda Santarém RA Açores
Castelo Branco Leiria Setúbal RA Madeira

Para uma análise mais detalhada do impacte de uma pandemia de gripe nos serviços de saúde, em termos de morbilidade, mortalidade e de alguns recursos necessários – sobretudo humanos (médicos) – deve-se consultar o relatório do ONSA, sobre «cenários preliminares para uma eventual pandemia de gripe», disponível on-line em http://www.onsa.pt.  Neste portal também está disponível um documento que desagrega aqueles cenários por área de influência dos hospitais do Serviço Nacional de Saúde.

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4.  Impacte em Outros Serviços

A eclosão de uma pandemia de gripe pode ter um impacte muito negativo na economia global, com declínio acentuado das actividades económicas e financeiras. Presumindo-se que todos os sectores da economia sejam afectados, a nível estratégico é indispensável que os governos delineiem e implementem, em tempo oportuno, planos de contingência que garantam a desejável continuidade dos negócios ou que, pelo menos, atenuem os efeitos decorrentes da retracção nos investimentos, da redução abrupta no consumo, da interrupção no fornecimento de bens essenciais, do colapso de serviços indispensáveis à comunidade, etc.

Além dos aspectos e sectores já referidos, a pandemia terá um impacte negativo em todo o tipo de serviços existentes na comunidade, incluindo forças policiais, bombeiros, protecção civil, estabelecimentos de ensino, estabelecimentos prisionais, fornecimento de electricidade e água, abastecimento de combustíveis, produção e venda de alimentos essenciais, etc. Podem ocorrer, por exemplo, encerramentos, compulsivos ou não, de escolas e outros estabelecimentos comunitários, cortes no abastecimento de água, gás e electricidade, impossibilidade de resposta dos serviços de emergência médica, bombeiros, protecção civil, transportes, e encerramento de aeroportos, portos de mar e fronteiras terrestres.

A maior parte das situações de rotura será consequência do absentismo laboral por doença e da imposição de restrições no âmbito da prevenção, contenção e controlo da pandemia.


[1] Esta taxa indica a percentagem da população total com quadro clínico sugestivo de infecção com o vírus da gripe – numerador com o número total de pessoas infectadas que apresentam quadro clínico de gripe, e denominador com o valor da população total.

[2] Meltzer M, Shoemake H, Kownaski M, Crosby R. FluAid 2.0: a manual to aid state and local level public health officials plan, prepare and practice for the next influenza pandemic (beta-test version). U.S. Department of Health and Human Services, Centers for Disease Control and Prevention, Atlanta, 2000.

Fernando Costa Silva © Portal de Saúde Pública, 2006